Quando dois olhares se entendem, as palavras perdem lugar. Os espaços se preenchem e o silêncio vira respiração. O que se diz é apenas o símbolo de que se está ali, presente. Nessa hora, o corpo fala o que a boca cala. É um par de jarros em sincronia, esculpidos sem ensaio, por mãos trêmulas que dispensam coreografia. A terra vermelha corre como sangue nas veias do barro a se modelar. Uma verdadeira arte de fazer dois serem um, por dentro e por fora, como bonecas russas da alma.
A dança, em par. O ritmo, marcado pela possibilidade de deixar-se levar, pode virar um quadro abstrato de inúmeras fitas no chão de taco, para não se perder o passo e não ficar para trás. Nem por um minuto sequer. Enxergar-se é a melhor forma de não cair. Segurar-se é a melhor forma de amparar.
Um ballet em que vale sapatear para ouvir o compasso dos pés que alternam-se no ar. Os rostos rosados, com um quê de apressados, brindam com o orvalho do amanhecer. As bocas sorrindo, comungam-se, sentindo um gosto de mais-querer, um gosto tão único que é mais cheiro do que gosto. Um gosto de cheiro. Cheiro de algo que não sei bem dizer.
A sapatilha encerra a fita de cetim que brilha entre os pés e mãos envolvidos pelas cortinas de veludo vermelho. E os olhares continuam a se entender e se comunicar num tango argentino que provoca torrentes de dormência. Os corpos enfeixam-se sem intervalos. O olhar não esquece seu par nem para fitar a rosa que a boca carrega em dor. Os lábios que não se tocam por uns instantes até que as pernas pensem em poder parar.
Na cadência do querer, os corpos atravessam-se e terminam em mar. O sal que transborda aos montes, da existência dos amantes, exalando o doce odor que só o suor de dois pode fabricar.
E nessa dança que é poesia, o verso rodopia, numa rima alternada, em que ficam emparelhadas essências, corpos e risadas, num verdadeiro enjambemant que faz saltar, para o alto e sem ar, uma primeira-bailarina a dar seu impulso contraído, num mar de mil suspiros, num poderoso grand jeté.
Um comentário:
"e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
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