Eu nunca achei que fosse possível ser beijada. Ser beijada presume um ato praticado por apenas um dos lados. E um beijo não se faz com um, mas com dois lábios aplicados na arte do encontro.
Todas as vezes em que foi oferecido a mim, o beijo ganhou tanto de mim quanto do outro.
É a mesma lógica do abraço. Ninguém ganha um abraço. Abraços são trocados. Numa sincronicidade não ensaiada, os braços de um envolvem o outro a tal ponto em que não se distingue quem começou e quem terminou aquele gesto.
Mesmo quando se pede um beijo, ou um abraço, não é algo que apenas se ganha. O pedido é apenas o despertar de uma ação que começa com duas (ou mais) pessoas e acaba com duas (ou mais) pessoas. O beijo só é beijo quando é praticado pelo todo. Assim como o abraço não é abraço sem o braço que envolve reciprocamente.
Quando damos um abraço e o outro não responde, fica aquela sensação de que há alguma coisa errada. Ou a pessoa é tímida, ou está chateada, ou, simplesmente, não sabe abraçar. Um abraço sem todos os braços, fica meio frio, meio vazio.
Um beijo sem duas bocas, um beijo de um lado só é beijo forçado, beijo recusado, beijo amedrontado, ou beijo que não quer acontecer. Um beijo de verdade é beijo em harmonia, como a forte sintonia entre o despertar do sol e o dormir da lua.
Beijar e abraçar são verbos reflexivos. As pessoas beijam-se e abraçam-se. E se não tiver o "se" fica uma coisa assim, meio sem ter pra quê.
O encontro é uma troca. Não tem dar, nem receber. Existe apenas uma escolha, a escolha do mútuo olhar, dos mútuos carinhos e do mútuo querer.
Receber beijos nos coloca na condição de espectador de algo que poderia ser vivido intensamente. Mesmo os beijos estalados, dados na bochecha ou na nuca, conversam com a pele e sentem os pêlos eriçados tocarem os lábios em resposta.
Dar um beijo, roubar um beijo só vale quando o outro colabora. Beijo forçado não é beijo, é lábio que aterrissa numa parede inerte que não escolhe aquilo que a toca. É como o mosquito que pousa em nossos tetos para perturbar o nosso sono. Ele não foi escolhido, ele só está ali.
No meu mundo, os abraços são cada vez mais verdadeiros e os beijos cada vez mais calorosos. Porque uma vida de beijos ganhos é uma vida sem trocar. E no espetáculo do amor (de todo tipo), mais vale ser ator principal do que platéia apática, que gasta aplausos a cada quadro a que assiste, como se não tivesse em si a capacidade de retribuir.
Um comentário:
"Beijar e abraçar são verbos reflexivos."
E mais vale a idéia de um beijo a dois curto, do que um longo beijo recebido e solitário. Quero eu pensar que nunca fui beijada tambem.
:)
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