segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mergulhos


Prender a respiração e submergir leva ao fundo do mar. Leva às profundezas mais belas e mais escuras. No fundo do mar moram peixes, cavalos, estrelas e uma pá de coisas que só existem lá. Mas para se chegar até tão longe, há que se enfrentar a falta de luz que a distância da superfície impõe.

O sol beija a água para revelar o seu azul. Mas o beijo dura apenas o tempo da luz. As camadas mais submersas não se revelam aos olhos, mas podem ser penetradas a nado, com braçadas desbravadoras de quem deseja explorar a imensidão de tanta água.

O gosto do mar é o gosto da lágrima. Um oceano de choros de alegria e tristeza. Um mundo que chora. De amor e de dor. Um mundo que tem superfície, mas não oferece a chance de pisar. Para descobrir o mar, é preciso afundar. Para descobrir de que cor é o azul do mar, é preciso se encontrar.

No oceano infinito, não dá para se preocupar com a falta de ar. É importante respirar fundo, mas só para garantir a força do mergulho. Há que se ter estômago. Fôlego, só para aumentar a contemplação.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Andar descalço por aí


Quando a gente esquece a delícia de colocar os pés diretamente sobre a grama logo cedo, quando o sereno ainda é o suor de cada folha verde que amortece o peso de nossos corpos em sua delicadeza, é hora de tirar os sapatos.

Os sapatos não nos deixam sentir o chão sob os pés. Se está quente ou frio, não sabemos. Nós nos colocamos acima do solo e nos isolamos do contato direto com o que nos estabiliza. Protegendo os nossos pés, deixamos nossas raizes de fora da terra.

Solados isolam. Não há a chance de tomarmos um choque bruto. Não há a chance de absorvermos a seiva bruta. Assim como o rabo do cachorro é o sorriso que ele pode oferecer, os pés são as asas de quem só pode voar em pensamento.

A sola do pé, raiz. A palma da mão, antena. Com-tato.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Desanuviar


Subo tão alto que chego a tocar o céu. Os pés descalços passeiam pelo ar em brancas nuvens. Tocar o chão significa pisar na realidade. A distância é quase como entre o céu e a terra. Ou melhor, entre o céu e o mar. O mar devolve para o céu o azul que ficou lá embaixo. O céu conversa com o mar em forma de chuva. Eles se viram como podem para encurtar distâncias.

Já eu, subo e desço. Mas nunca piso no chão nem toco o teto do mundo. Nem tanto ao mar, nem tanto ao céu.

Para beber da fonte, água
Para matar a sede, beijo
Para dormir com sono, abraço
Para pé com frio, calor
Para manhãs insones, sol
Para domingos à tarde, teatro
Para dia de feriado, cachoeira
Para fome de novidade, livro
Para dançar no escuro, música
Para a mesa de cabeceira, rosas
Para manter a ordem, bagunça
Para fugir de casa, silêncio

Para quem ama, línguas.
El mar. El cielo.