quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Para crianças


Sortudinho

Sortudinho o mosquitinho
Que, voando pelo céu imenso
No meio de tanto ar,
Consegue achar a quem picar.

Sortudinho esse mosquitinho,
Que saiu a tempo de fugir das palmas
Que não aplaudiam seu espetáculo
De voar em círculos e zumbir bem alto.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viajar é dizer adeus


O sono que se dorme junto passa a ser a insônia da madrugada vazia. A luz da geladeira brilha mais que o sol nascente. O copo d'água, na cômoda ao lado da cama, molha a capa do livro interrompido nos primeiros capítulos.

A televisão dialoga com o sofá por horas a fio. Ninguém interrompe. Não há vozes que gritem mais alto que o silêncio ensurdecedor. Pela pia escorre o creme dental em espuma. Não faz mais sentido alimentar o encontro das escovas. Enquanto uma se descabela dia-a-dia, a outra permanece seca, incólume, sem "bom dias" nem "boa noites". Seu tempo é ontem.

O incenso perfuma as lembranças. Os livros contam as histórias mudas de uma vida sobre a prateleira. A janela deixa sair o sopro do suspiro que entrara em doses homeopáticas sobre pernas ágeis e dispostas. As paredes querem falar, mas calam-se para poupar os ouvidos de quem quer enxergar o céu estrelado.

Brotam flores por todos os lados. A semente germinou na terra fértil. Germinaram também ervas que colorem de tons de verde o chão repleto do adubo incômodo que faz desabrochar a flor e seu perfume. A rosa não tem apenas pétalas e o espinho fere além da carne.

O teto torna-se cada vez mais baixo. Aproxima-se dos sentidos que ricocheteiam como balas distraídas deixando marcas na pintura desbotada. Nesse mundo de concreto e vidro não há tapetes para pousar os pés. As redes balançam-se ao sabor do vento para consumar a união de suas fibras e tapar os buracos de seu vazio.

Os encontros furtivos, por vezes sequer notados entre as palavras que se perdiam em sua própria função de comunicar, viraram móbile sobre a cama. Giram e tocam música como se bastasse ser espírito para apossarem-se de um corpo e existir.

Dizer adeus faz parte da viagem. A volta ao ponto de partida nem sempre fica marcada no calendário.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cair pra cima


Um dia uma amiga me perguntou: E dá pra apagar o passado, como se os livros de nossas vidas aceitassem borracha?

E eu disse: Não. Não dá pra apagar o passado. Eu sou, tu és, ela (minha amiga) é. Somos todos esse passado que não se apaga.

E seu tivesse uma borracha de apagar livro de vida, eu só apagava os pontos-finais e trocava por vírgula, pra não ter que terminar as frases. Deixava o futuro se encarregar de pontuar pra mim. Porque o que eu mais quero no meu livro são travessões e reticências. E um lápis de escrever bem simples, desses que não têm borrachinha no fundo, pra não cair na tentação de esquecer alguma coisa à força.

Respeitando o passado, o tombo pode ser uma subida.