quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viajar é dizer adeus


O sono que se dorme junto passa a ser a insônia da madrugada vazia. A luz da geladeira brilha mais que o sol nascente. O copo d'água, na cômoda ao lado da cama, molha a capa do livro interrompido nos primeiros capítulos.

A televisão dialoga com o sofá por horas a fio. Ninguém interrompe. Não há vozes que gritem mais alto que o silêncio ensurdecedor. Pela pia escorre o creme dental em espuma. Não faz mais sentido alimentar o encontro das escovas. Enquanto uma se descabela dia-a-dia, a outra permanece seca, incólume, sem "bom dias" nem "boa noites". Seu tempo é ontem.

O incenso perfuma as lembranças. Os livros contam as histórias mudas de uma vida sobre a prateleira. A janela deixa sair o sopro do suspiro que entrara em doses homeopáticas sobre pernas ágeis e dispostas. As paredes querem falar, mas calam-se para poupar os ouvidos de quem quer enxergar o céu estrelado.

Brotam flores por todos os lados. A semente germinou na terra fértil. Germinaram também ervas que colorem de tons de verde o chão repleto do adubo incômodo que faz desabrochar a flor e seu perfume. A rosa não tem apenas pétalas e o espinho fere além da carne.

O teto torna-se cada vez mais baixo. Aproxima-se dos sentidos que ricocheteiam como balas distraídas deixando marcas na pintura desbotada. Nesse mundo de concreto e vidro não há tapetes para pousar os pés. As redes balançam-se ao sabor do vento para consumar a união de suas fibras e tapar os buracos de seu vazio.

Os encontros furtivos, por vezes sequer notados entre as palavras que se perdiam em sua própria função de comunicar, viraram móbile sobre a cama. Giram e tocam música como se bastasse ser espírito para apossarem-se de um corpo e existir.

Dizer adeus faz parte da viagem. A volta ao ponto de partida nem sempre fica marcada no calendário.