sábado, 29 de agosto de 2009

Ninguém AMA fazer faxina


Ninguém ama fazer faxina, faz porque precisa.

Assim como a casa fica empoeirada com o passar do tempo, ficamos nós com teias de aranha em nossos corpos, sem a boa e velha espanada no pó.

Tirar os medos, os receios e os traumas do passado significa entrar em contato com eles, revisitá-los. Significa sentí-los novamente. E dói retornar a certas águas passadas, a certos rios que deixamos no esquecimento, sem mover os moinhos.

Abandonar a dor é mergulhar em tudo o que a rodeia. Emergir após a pesada imersão nos torna mais seguros para seguir em frente, deixando para trás o peso do sentimento sem esquecer o aprendizado do processo.

A dor que não ensina, traumatiza. E de pequenos traumas fazemos grandes refúgios, correndo de certas experiências, certas pessoas e, por vezes, de nós mesmos. Passar por cima é adiar o encontro, é jogar a sujeira para debaixo do tapete.

A dor que carrega consigo a lição do ato ou do momento vivido leva a angústia e deixa a paz interior. Encarar o que te aflige afugenta os sentimentos indesejados e coroa a sabedoria de sermos quem somos em nossa integralidade.

Limpar a casa é lavar a alma. É arrastar os móveis e trocar tudo de lugar. É levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Parece fórmula simples, mas há de ser praticada com certa frequência. Exige comprometimento.

Uma boa faxina se faz após várias tentativas. Nas primeiras, fica um pouco do pó espalhado pelos inúmeros salões que percorremos internamente. Quando se pega o jeito, fica mais fácil varrer tudo da porta pra fora e abrigar as flores que chegam para encher a casa.

De alma limpa, o chão brilha mais.

sábado, 22 de agosto de 2009

Borboletas e casulos


Um belo dia a gente acorda e se dá conta de que nada mais é igual a antes. Alguma coisa dentro da gente já não percebe mais as coisas da mesma forma. As paredes do quarto já não são do mesmo branco, os raios de sol já não têm o mesmo brilho, nem mesmo o cheirinho de amaciante do lençol é igual.

Se percebemos o universo mudado, significa que nós mudamos nossa forma de ver as coisas, algo dentro da gente vê tudo diferente, inclusive nós mesmos.

Normalmente, precisamos de um chamado mais brusco da vida, de uma puxada pro chão para nos darmos conta de que estávamos um pouco fora do centro. Às vezes decolamos em sonhos ou mesmo em pesadelos. Voamos leves um dia e sem rumo em outro. Uma sacudida e sentimos a terra sob nossos pés. Sentimos que pertencemos a um lugar, que existe um chão para pisar.

Mudar não é fácil. Aceitar a mudança é sabedoria de poucos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um poeta sem dor é um sofredor


A inspiração do poeta vem do pulso do seu coração. Coração que pulsa tranquilo não rende as mágoas para um bom emaranhado de palavras.

O poeta vive a angústia que motiva o ofício. Não que lhe faltem sentimentos quando lhe falta a agrura. Mas nos momentos de bonança, que graça tem chorar sobre um papel, um violão ou uma tela de computador?

Na penumbra de si mesmo, surgem as sombras que contam histórias, movimentam o enredo e dão vida à bela expressão de quem sofre sozinho, mas nunca calado.

A dor pode ser de amor. Seja o excesso que consome ou a falta que desnutre. A saudade também tem sua parcela dolorida. Assim como a angústia, a solidão ou a suspeita de uma traição.

Se tiram do poeta o lápis, tiram-lhe o pulmão. Se tiram a borracha, tiram a respiração. Se tiram-lhe o papel, arrancam seu coração.

Quando as palavras o tomam pra si enquanto ele se deixa levar, estabelece-se o pacto de fidelidade. Algo de muito terno faz do poeta sereno com a possibilidade de tê-las como companheiras para sempre.

Adoecer em uma rede e saber que elas estarão ao lado, repousando sobre a mesa de canto, com suas fórmulas curadoras traz a paz que o coração do poeta não quer. Devora-as publicamente, sem o menos dos pudores, em um menu repleto de nomes.

As palavras jogam-se sobre ele. Mas ele apenas as toca quando chora por uma dor.