segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Eu não estou aqui


De repente, eu me transporto pra uma cachoeira de água fria. Vou lavar as dores e as desventuras, pra tirar de mim o espaço que elas ocupam. Pra deixar entrar os amores e as boas venturas no vazio que preenche a minha existência quase imatura. 

Água de oxum pra me livrar de todos os males, amém!

Bate, coração que bate


Tem dias que a gente se sente com dois corações:
Um que bate, bem guardado
E um de pedra, pra bater nos outros

domingo, 28 de dezembro de 2008

Isso não é um post de ano novo...


Janeiro de 2009. A contagem regressiva já começou. Faltam apenas mais 3 dias. Ano novo chegando. Novas expectativas, sonhos e perspectivas. Tudo novo, de novo. Mais um ano inicia-se com listas e mais listas de resoluções para brindar a nova data. Listas de planos e planilhas. Dentre elas, a temida reforma ortográfica que foi sugerida pela primeira vez lá nos idos anos 90 e passa a vigorar a partir do primeiro dia do ano. É a tal reforma de que ouvimos falar há tempos e sempre achávamos que não passava de uma lenda. E agora, contamos as horas que nos restam ao lado de acentos e sinais tão queridos que antes, sempre bem-vindos, passam a ser tratados como artigo desnecessário. O ano novo está quase aí. E nada me tira mais do sério do que o medo de perder a tranquilidade quando a minha tranquilidade perder o trema.

Os nossos heróis continuam com seu acento, mas seus atos heroicos, perdem o sinal gráfico. As nossas ideias já não terão mais o tracinho inclinado sobre a letra "e". O microondas perde um "o" e ganha um hífen. Agora só vale esquentar comida no micro-ondas, bem como andar de micro-ônibus. Enquanto isso, paraquedistas de todos os países lusófonos terão que ficar atentos quando abrirem seus paraquedas e virem que sumiu alguma coisa. Ou melhor, duas. No fim de semana vai ficar sempre aquela sensação de que está faltando algo, enquanto no mundo cor-de-rosa, tudo permanece do jeitinho que está. Quando adentrar a antessala de alguém, lembre-se que é de bom tom exaltar o autorretrato do anfitrião, mesmo notando que ele é adepto de um bom antirrugas e um frequentador assíduo de exames de ultrassonografia. Se ele parecer antissocial, não se preocupe, o pato assado ficou extrasseco e, suprassensível que é, o dono da casa deixou uma ultrarromântica lágrima escorrer. Se você não acredita em contraindicação, cuidado quando tiver que, dirigindo seu carro semiautomático numa autoestrada, falar com algum mandachuva que está indignado porque as segundas-feiras permanecem como estão e a couve-flor não perde nada do que tem, enquanto devagarinho, o k vai ultrapassando perigosamente o J, o w estaciona em local proibido e o y, simplesmente, entra de repente entre o X e o Z. Mais seguro pegar um voo, de preferência, sem sentir enjoo. E, quando levar uma criança ao zoo, não repare na feiura (sem acento) das palavras que perderam o chapeuzinho que pousava como uma gaivota sobre a primeira vogal da dupla. Para os que creem no tal traço, não faça parte da plateia que sofre com a paranoia de engolir o risquinho, tal qual uma jiboia engole um ratinho. Na hora de parar, não vai dar pra saber se é do verbo que estão falando ou simplesmente, da preposição que vai na caixa de presente. Agora, difícil mesmo vai ser aguentar sem consequencia, a frequente eloquencia que dá sequência às mais de cinquenta vezes em que vou perder a tranquilidade quando não me restar dessa língua nem dois pontos sobre o "u": o meu querido trema.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sinestesia


O cheiro do amor
fala mais alto
mesmo quando sabemos
que já não se ouve mais
o seu calor

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Da arte de dizer adeus


Depois de um longo mês de amor, compreenderam que não celebravam a união, e sim, a despedida. No lugar das fotos, guardavam as lembranças. Os ingressos dos shows, museus, espetáculos iam juntos para a lixeira mais próxima. Não dividiram um prato sequer. Tampouco provaram da comida ou bebida do outro. Compartilhavam sua existência. Brincaram de possuir estrelas e olhar a lua. Não pensavam no futuro, mas passavam tardes a fio percebendo as marcas do passado. Nem um bilhete. Nada escrito. Sequer ousaram usar de flores (exceto pela margarida que ela roubou de um canteiro para ele no dia de seu aniversário). A margarida que marcava a página do livro dele. O livro que ele quis dar a ela, mas só conseguiu que aceitasse o marcador de papelão com um poema de Neruda. Aceitou também as mãos enlaçadas sobre as suas enquanto caminhavam. Sem hesitar, aceitou seu cheiro, seu gosto, seu corpo. Aceitou chamá-lo pelo apelido, em vez do nome composto. Do sobrenome, não quis nem ouvir falar. Ganhou dele um pacote de cerejas, que saboreou calada e sozinha. Quando estava frio, não queria o casaco dele emprestado, mas os abraços, estes recebia de bom grado. Dividiram o banco da roda-gigante e o prazer de comer algodão-doce (o dele, branco. O dela, cor-de-rosa). Dividiam as alegrias. As angústias iam pra uma caixinha dentro do banheiro que só se abria para escorrer em lágrimas durante um banho solitário. Falavam a mesma língua: gestos, expressões e sorrisos. O sotaque amarrado dele. A doce leveza de sua voz na tentativa dela em se fazer entender. Pouco diziam as palavras, mas os sorrisos falavam por si só. No metrô sentavam-se frente a frente e não conseguiam parar de se olhar. Era a forma mais legítima de carregar consigo um pouco mais do outro. Na cama, não conseguiam encarar-se. Acordavam e dormiam juntos. Dormiam abraçados toda a noite com medo de se largar. Ela gostava de dormir no escuro. Ele também. Mas passaram todas as noites com a luz do abajour ligada porque nenhum dos dois ousou perguntar ao outro se podia apagar. Ele sempre carregava a chave da porta para não perdê-la. Ela sempre tinha medo de perdê-lo. Ele usava um chapéu para segurar seus pensamentos. Ela tirava o chapéu dele enquanto se beijavam. Apostavam corrida sempre que passavam pela alameda. Ela ganhava todas as vezes. Ele ficava pra trás de propósito sem que ela percebesse. Ela se sentia mais forte assim. Davam e recebiam aquilo que era sua moeda mais preciosa: o seu tempo, suas almas.

Na hora do adeus, dividiram as lágrimas. Compreenderam que cada um tinha uma vida por viver, um caminho a seguir. Mas sabiam que seu destino era encontrarem-se sempre que quisessem ser um pouco mais felizes.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Há que se desejar as boas-vindas. E uma boa viagem.



Viajávamos por uma estrada que seguia por entre fazendas e pequenos vilarejos, num fim de tarde meio cinza com chuvas que iam e vinham. Sentado no banco do passageiro, contemplando a bucólica paisagem repleta de mangueiras carregadíssimas de frutos, ele rompe o silêncio e diz em tom convicto e com uma crença quase ingênua de que fazia a maior das constatações: “Eu sei que tem mais manga do que gente no mundo, mas na minha época não era assim”. E em meio às nossas inevitáveis gargalhadas, justifica a frase solta: “Quando eu era garoto, a gente não resistia à tentação de um pé de manga carregado. A meninada pegava todas e, com certeza, naquela época tinha mais gente do que manga, porque não sobrava nenhuma pra contar história”. E, com a singeleza de uma criança e os olhos de uma infância que eu não conheci, meu pai relatou a mim e a minha mãe as suas peripécias para conseguir derrubar uma manga madura do pé. E nós duas, sem conseguir conter o riso, entendemos que os frutos eram mais saborosos quando faltavam mangas e sobravam crianças a subir em árvores.

E assim, com a beleza de uma frase tão simples e espontânea, decidi começar um blog que fala de viajar por entre as palavras e frases e mergulhar no mundo da imaginação, aonde fantasia e ficção confundem-se, mas servem a um só propósito: o prazer em escrever.

Sejam bem-vindos a esta humilde morada de idéias que pretende, despretensiosamente, tornar os planos menos planos e os sonhos mais sonhos.