domingo, 29 de março de 2009

O amor não tem costas. Tem cara.


Quando o amor chega, não pede licença nem passagem. Chega como se o seu lugar estivesse guardado por toda uma vida e vai logo se depositando. Mal pergunta se pode entrar e já vai se sentando em nossa poltrona favorita e acendendo um de nossos charutos cubanos.

Não é uma visita que se anuncia. Ela aparece quando bem entende. Aparece justo na hora do almoço, oportunista! Sabe que teremos que nos desdobrar para dividir a comida de um com mais alguém. Ri largamente anunciando a hora de "botar mais água no feijão". Sabe muito bem que o prato à mesa não lhe pertence, mas come da comida mesmo assim.

Chega despretensiosamente, como se viesse apenas contar uma novidade e, quando vemos, reservamos uma cama só pra ele para que repouse por alguns dias. Abusado que é, vai ficando. Enquanto o alimentamos e mantemos seus aposentos em ordem, ele fica. Mora conosco como se fosse parte daquele lar há tempos. 

Nos primeiros dias, a sua presença muda toda a rotina da casa. Por vezes, causa até mesmo um certo mal-estar. Dá vontade de pedir pra sair e deixar tudo como era antes. Mas quando menos percebemos, já estamos afeiçoados a ele e não queremos mais que vá embora. Sim, ele fica! E continuamos repartindo os espaços que ele insiste em ocupar. E aquela presença que antes parecia uma invasão, torna-se a melhor parte que existe em nós.

De intruso a necessário, passa a dividir conosco as risadas mais gostosas, as noites em claro, as cócegas da pena. Dialoga com nosso íntimo com a propriedade de um bom psicólogo em uma sessão no divã. Abre as janelas para a luz entrar e sabe do que a gente gosta.

Ele não se ocupa de nada, simplesmente embeleza os dias e as horas com sua presença prazerosa. Não conserta a fechadura da porta nem leva a chave para fazer cópia. E, quando nos esquece de fora, sentamos na escada e aguardamos calmamente seu retorno. Ao menor sinal de passos se aproximando, quanta alegria! E ele volta com toda a propriedade de quem já nos arrebanhou num gole colossal.

O amor não tem costas. Tem cara. Não adianta correr atrás. Basta esperar a sua visita com a casa arrumada. Dê a ele seu melhor quarto e um pouco de espaço que ele vai gostar de ficar. Compartilhe o pouco que tem aí com o pouco que ele espera de ti e crie uma festa dentro do seu coração.
 

segunda-feira, 23 de março de 2009

S-A-U-D-A-D-E


Quando não se mata a saudade, ela acaba nos matando. Matando de fome e de sede como se anulasse todos os sentidos e quisesse ser única dentro de nós. Toma conta dos pensamentos, da nossa rotina e de cada momento em que não conseguimos ficar imunes ao seu poder implacável.

Sentir saudade é cavar vazios no peito. É, também, ter a certeza de que os buracos são proporcionais a sentimentos bons e verdadeiros. Só sentimos saudade daquilo que amamos. Quanto mais amor, mais saudade. Há também os que sentem saudade de uma dor. Mas tudo o que dói um dia, já foi amor.

Saudade é a soma do amor com o vazio que ele deixa.

sábado, 21 de março de 2009

Qual o seu pedido?


Muitas músicas ainda hão de nos encantar. Muitas pessoas ainda hão de nos fazer sorrir. Haverá os que vão e os que ficam. Seremos mais tristes ou mais felizes a cada partida ou chegada. Daremos mais de nós, ou menos. Ganharemos novos personagens a interagir em nossas vidas, enquanto outros seguirão ilesos à nossa passagem. Como muitas aves já pousaram em nossos ombros para alçar vôos maiores, partirão como chegaram, vindos do vento e indo ao encontro do horizonte. Sobre estes mesmos ombros que carregam as palavras que repousam no mesmo livro, sobre a cabeceira. 

Se a vida é um breve momento, não deve ser escrita sobre as páginas rabiscadas. Sobre as mesmas páginas rasuradas que alguém amassou outrora. A vida é um breve pulsar que não pode escapar aos olhos. É como as nuvens que nos fitam como um rascunho do momento em que estamos. Um sopro, e o castelo vira monstro. Ao sabor do efêmero, as nuvens modelam nossos sonhos e dependem de nós para serem frutas, rostos, animais, sorrisos e dragões. Basta querermos para que sejam belos pássaros a cantar. Ou urubus a nos cercar.

A vida está à nossa disposição. Qual o seu pedido?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Momento Mafalda II


Se o planeta voa e continua na mesma galáxia,
Que seria do mundo se pudesse caminhar?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Das coisas que NEM nos restam


Antes que começasse, terminou. 

Tanta coisa vai deixar de ser dita. Tantos sentimentos que nem existirão. Não haverá memórias a compartilhar. Não vai haver a lembrança dos momentos felizes. Não vai doer a angústia de uma viagem longa, sem comunicação.

Os ingressos do primeiro cinema juntos ainda estão na bilheteria. O garfo em que ele ofereceu a ela uma porção de sua sobremesa ainda está na gaveta. O canudinho da coca-cola parou na boca de uma pessoa qualquer que passou pela rua da lanchonete em que comeriam um dia. Os lençóis com o perfume e o suor dele ainda estão nas prateleiras da loja de departamentos.

Ela nem teve a chance de contar a ele histórias de sua infância. Ele não pôde contar a ela que seu cabelo bate nos ombros por culpa dos amigos que rasparam suas longas madeixas ao passar no vestibular, já há alguns anos. Ele não sabe que ela já sofreu um acidente de carro e quase morreu. Ela não sabe que ele pegou pneumonia e quase morreu.

Ela iria se apaixonar pelo sorriso dele. Ele iria se encantar com a placidez do rosto dela enquanto dorme. O prato preferido dela seria o risoto que ele faz com alcaparras. O passeio preferido dele seriam os fins-de-semana na casa de praia da família dela. Ela não passaria frio naquela noite, porque teria ganho dele um suéter de Natal. Ele não teria caído da escada do prédio porque ela sempre quis morar em casa.

O nome do primeiro filho seria escolhido por ela. O do segundo, por ele. Ele cuidaria das crianças durantes as férias para ela trabalhar. Ela passaria o Domingo todo cuidando da família. Ele apresentaria muitos livros interessantes a ela, enquanto ela enriqueceria os dias dele com músicas inesquecíveis.

Ela guardaria a rolha do vinho especial que tomaram no aniversário de casamento. Ele compraria um carro grande para caber toda a família. Ela aprenderia Inglês para acompanhá-lo no doutorado na Inglaterra. Ele deixaria de comer carne porque ela é vegetariana. Ela encheria a casa de porta-retratos porque ele adora tirar fotos. Ela conheceria neve porque ele adora esquiar.

Eles tinham tudo para ser felizes. Ou não. Não importa! Eles teriam um futuro pela frente.

Mas eles não sabem disso. Nem vão saber. Acabaram de se esbarrar ao atravessar a rua. E sequer olharam um pro outro.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Será que pode ser assim?


Se o  mundo lhe disser NÃO
Diga a ele que eu lhe disse SIM, SIM, SIM...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dança a dois


Quando dois olhares se entendem, as palavras perdem lugar. Os espaços se preenchem e o silêncio vira respiração. O que se diz é apenas o símbolo de que se está ali, presente. Nessa hora, o corpo fala o que a boca cala. É um par de jarros em sincronia, esculpidos sem ensaio, por mãos trêmulas que dispensam coreografia. A terra vermelha corre como sangue nas veias do barro a se modelar. Uma verdadeira arte de fazer dois serem um, por dentro e por fora, como bonecas russas da alma.

A dança, em par. O ritmo, marcado pela possibilidade de deixar-se levar, pode virar um quadro abstrato de inúmeras fitas no chão de taco, para não se perder o passo e não ficar para trás. Nem por um minuto sequer. Enxergar-se é a melhor forma de não cair. Segurar-se é a melhor forma de amparar.

Um ballet em que vale sapatear para ouvir o compasso dos pés que alternam-se no ar. Os rostos rosados, com um quê de apressados, brindam com o orvalho do amanhecer. As bocas sorrindo, comungam-se, sentindo um gosto de mais-querer, um gosto tão único que é mais cheiro do que gosto. Um gosto de cheiro. Cheiro de algo que não sei bem dizer. 

A sapatilha encerra a fita de cetim que brilha entre os pés e mãos envolvidos pelas cortinas de veludo vermelho. E os olhares continuam a se entender e se comunicar num tango argentino que provoca torrentes de dormência. Os corpos enfeixam-se sem intervalos. O olhar não esquece seu par nem para fitar a rosa que a boca carrega em dor. Os lábios que não se tocam por uns instantes até que as pernas pensem em poder parar.

Na cadência do querer, os corpos atravessam-se e terminam em mar. O sal que transborda aos montes, da existência dos amantes, exalando o doce odor que só o suor de dois pode fabricar. 

E nessa dança que é poesia, o verso rodopia, numa rima alternada, em que ficam emparelhadas essências, corpos e risadas, num verdadeiro enjambemant que faz saltar, para o alto e sem ar, uma primeira-bailarina a dar seu impulso contraído, num mar de mil suspiros, num poderoso grand jeté.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O mundo gira ao seu redor


Tocando o ar compreendo o espaço que ocupa meu corpo. Se estico mais o braço, alcanço ainda mais partes de mim. Quando eu me abraço sinto que existe em mim, muito mais do que eu posso abraçar. 

O mundo em minhas mãos. O mundo em mim. Não adianta olhar para trás. Não enxergo suas escápulas. Não vejo o quão torta anda sua coluna. Sinto-me atada pelos pulsos quando meus olhos estão vendados.

Assopro suas nuvens para enxergar a imensidão azul. Daqui do alto, posso jogar bola de gude para fazer o sol nascer. Posso dar novas cores ao céu para o pôr-do-sol ficar alaranjado. Posso fazer a Terra rodar mais rápido para contemplar mais vezes o espetáculo do dia. E da noite. E do dia. E da noite.

O mundo foi dormir e me tirou o sono. A noite caminha de mãos dadas com o meu travesseiro. Os lençóis estão gelados porque a cama está vazia. Deitar não é dormir. Dormir é acordar. Acordar é pôr-se de pé no mundo e para o mundo. Às vezes dá medo de pisar com o pé errado. Às vezes dá medo de deitar e ficar deitado.

Tem noites em que eu prefiro os dias. E tem dias em que eu quero devorar a noite com uma mordida faminta. Quero sentir o gosto das estrelas e deixar a lua cheia, minguante. 

Enquanto o mundo gira, fico louca de tontura. Finjo que a minha náusea é fruto da rotação, enquanto guardo pra mim o sabor amargo de uma embriaguez que me toma os sentidos. Engano-me a cada passo para não me culpar pela mesquinhez do mundo. O peso que paira sobre os ombros já não me dói como antes. Para ficar triste, basta estar feliz.