domingo, 28 de junho de 2009

La vie en rose


Adoro estar perto das pessoas que estão longe. Ainda mais das que moram no coração com espaços especiais. Daquelas que se fazem presentes de diversas formas no nosso dia-a-dia. É lindo ver uma foto antiga, do tempo do colégio e abraçar a criança que se fez adulta junto comigo. É lindo poder ouvir tão claramente a voz do amigo que atravessou oceanos e ainda tem a mesma risada quando ouve a repetida história de quando nós nos conhecemos.

Juntar os traços do desenho infantil é como montar o quebra-cabeça dos bilhetes trocados em sala de aula. É escutar a voz da professora brigando ou da mãe chamando pro banho e sair correndo das duas ameaçadoras mulheres que tinham tamanho de gente grande.

Aproximar-se do passado é uma forma de reconhecer que somos um pouquinho de cada árvore em que subimos, de cada piada que nos foi contada, cada conversa que tivemos, cada pessoa que apareceu em nossos caminhos. Aproximar quem está longe é uma forma de reconhecer que a maturidade nos traz a imensa capacidade de transcender as distâncias físicas em prol da união profunda do amor à prova de tempo e espaço.

O nosso passado corre em nossas veias. Assim como correm nossas escolhas. Não precisa ser dito aquilo que já está dentro de nós. Somos o resultado imediato de cada passo que damos e é perda de tempo sofrer pelas possibilidades não realizadas. Tornamo-nos aquilo que falamos, escutamos, escolhemos. Não há sequer um minuto pra trás que poderia ter sido diferente, porque já não mais estaríamos aqui, com este mesmo olhar, com esta mesma forma de interpretar todo o infinito que nos envolve.

Se pudermos agradecer por cada angústia, cada ruptura, cada tropeço, cada machucado na perna, cada cicatriz desenhada em nossa pele, cada lágrima que escorreu por nossos rostos, estaremos agradecendo, simplesmente, por termos nos tornado aquilo que somos agora, neste exato momento em que você e eu construímos uma tela mental de nossas experiências vividas até um segundo, um minuto, um dia, um mês, um ano atrás.

Porque aceitar o presente é o melhor presente que podemos dar a nós mesmos. Senão um dia olhamos pra trás e fica a indagação do quanto fomos felizes sem saber. Pois digo e repito: sou feliz e sei muito bem disso. Tudo o que meu passado representa é uma nostalgia tranquila de dias que se foram pra que eu pudesse chegar nesse momento e viver a plenitude do agora. Porque um dia o tempo passa e não cabe ser vítima da ignorância sobre a bonança do presente. Chorar pelo que se foi será sempre o próximo passo de quem não aceita o ser tal e qual o é.

Je m'apelle Thaís et je vois la vie en rose.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Porque sorrisos não dão em árvore" ou "A insustentável leveza do sorriso"


Quando andares pelos campos, busque as flores e não sorrisos. Sorrisos não nascem em árvores e não sobram de bandeja.

Assim como os bons sentimentos, hão de ser cultivados e não arrancados à força como se já viessem prontos em uma prateleira. Para se fazer sorrir não basta esticar os lábios e mostrar os dentes. É necessário fazer eclodir a sincera felicidade, fazer brotar a magia da mais singela demonstração de alegria.

Sorriso mecânico é amarelo, não tem cor de ser. Sorrir é coisa que vem do fundo, percorrendo todo o nosso corpo para fazer cada pedacinho de nós se agitar. Quando sorriem os lábios, sorri o coração e tudo o mais que aplaude ritmicamente o nosso simples existir.

Para viver o que, de fato, existe, sem criar coisas que não existem, nós precisamos alinhar nossos anseios. É preciso ler a partitura para tocar a música sem sair do tom.

Os sorrisos são o espelho que reflete aquilo que se vê em encanto. Uma criança brincando, um abraço apertado, um balanço no parque, um pipoqueiro na porta do cinema, um cobertor no frio.

Assim como o inusitado, chegam sem convite os sorrisos. E nunca chegam pra ficar. Porque sorriso tem prazo de validade. Tem que cultivar pra fonte nunca secar. A capacidade de sorrir nunca vence, mas não a deixe de lado porque vira bicho do mato, com aquela ruga na testa de gente que não ri, nem sorri e fica por demais ensimesmado.

Porque sorrir é uma arte. Pode-se sorrir a qualquer hora, em qualquer lugar. Mas aquele sorriso que outrora espantava toda e qualquer dor, de repente alaga-se em um choro bruto quando se deixa partir. E às vezes ele se vai e nos deixa sem sorrir.

E é tarefa nossa, os meros sorridentes, não se fechar pro fascínio do simples olhar que se expande num gesto em que os lábios dizem o que tudo em nós fala. O sorriso atento capta a sinestesia no ar. O toque que traz o frio e faz o olho virar. O beijo que o olho viu e fez o corpo arrepiar.

Nunca negue passagem a um sorriso. Deixe ele te atravessar. Sorriso é bálsamo pra qualquer doença, do corpo ou da alma. Sorrindo curam-se perdas e danos. Seja ele um curto sorriso de canto de boca em meio ao pranto, seja ele uma longa gargalhada que não se dá sozinho, o fim de um sorriso marca o tempo de sorrir de novo. Porque sorriso é perecível, mas a alegria não.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Para os que têm espírito largo e coração de poeta


Eu quase atravesso a rua quando avisto do outro lado, na calçada longínqua, crianças soltando pipa. Quase atravesso, porque atenho-me às cores que flutuam no céu de tal forma, que me esqueço de olhar pros lados. A pipa me atravessa e sou apenas um ser humano hipnotizado pelo pássaro cujas asas são as crianças e suas pernas ágeis.

Sento-me na grama, bem junto dos moleques animados e começo a entender porque é tão belo isso de deixar a pipa voar presa por uma linha na mão.

A pipa representa o mais belo da alma que existe em cada um de nós. Dar liberdade para essa beleza e deixá-la ir ao encontro do céu é um gesto de confiança inabalável. Saber que se pode perder a pipa a qualquer momento e, mesmo assim, lançá-la ao infinito é uma prova de muito amor.

A linha representa a noção de que algo nos conecta a essa beleza. É a linha tênue que define o laço que une, sem castigar. É o abrigo que damos ao belo, sem prendê-lo. É a forma que temos para demonstrar que nos preocupamos e que não deixamos o melhor de nós largado por aí. Não está largado, nem preso por garras firmes. Está solto, se quiser voar. Mas tem um caminho de pão na floresta, se quiser voltar.

A pipa dança pelo ar enquanto as pernas magras correm pra lá e pra cá na tentativa de não deixar sair do estado de graça a ave que ocupa o mais belo do céu, a mar azul de nossos seres, o mais alto que se pode ir com o olhar.

E os braços agitados ensaiam manobras por vezes arriscadas para dar à pipa a alma que o papel de seda não trouxe e nem trouxe o bambu. A rabiola de saco de supermercado baila como uma cauda de dragão e alimenta a imaginação de quem sonha baixo, porque os sonhos altos estão lá em cima, com a pipa.

Carinho na alma é soltar pipa todos os dias. Empunhar a linha e deixar fluir tudo de bom que há no mais íntimo do ser. Abrir as janelas, varrer a casa e deixar partir para o alto e avante tudo o que merece navegar na imensidão. Alargar o espírito e trazer poesia ao coração.

Deixar um pouco de nós voar é o melhor caminho para se chegar ao céu.
  

domingo, 7 de junho de 2009

Nunca ganhei um beijo


Preciso fazer uma confissão: eu nunca ganhei um beijo. Pasme! Mas ao contrário do que dizem muitas mulheres, nunca fui beijada.

Eu nunca achei que fosse possível ser beijada. Ser beijada presume um ato praticado por apenas um dos lados. E um beijo não se faz com um, mas com dois lábios aplicados na arte do encontro.

Todas as vezes em que foi oferecido a mim, o beijo ganhou tanto de mim quanto do outro.

É a mesma lógica do abraço. Ninguém ganha um abraço. Abraços são trocados. Numa sincronicidade não ensaiada, os braços de um envolvem o outro a tal ponto em que não se distingue quem começou e quem terminou aquele gesto.

Mesmo quando se pede um beijo, ou um abraço, não é algo que apenas se ganha. O pedido é apenas o despertar de uma ação que começa com duas (ou mais) pessoas e acaba com duas (ou mais) pessoas. O beijo só é beijo quando é praticado pelo todo. Assim como o abraço não é abraço sem o braço que envolve reciprocamente.

Quando damos um abraço e o outro não responde, fica aquela sensação de que há alguma coisa errada. Ou a pessoa é tímida, ou está chateada, ou, simplesmente, não sabe abraçar. Um abraço sem todos os braços, fica meio frio, meio vazio.

Um beijo sem duas bocas, um beijo de um lado só é beijo forçado, beijo recusado, beijo amedrontado, ou beijo que não quer acontecer. Um beijo de verdade é beijo em harmonia, como a forte sintonia entre o despertar do sol e o dormir da lua.

Beijar e abraçar são verbos reflexivos. As pessoas beijam-se e abraçam-se. E se não tiver o "se" fica uma coisa assim, meio sem ter pra quê.

O encontro é uma troca. Não tem dar, nem receber. Existe apenas uma escolha, a escolha do mútuo olhar, dos mútuos carinhos e do mútuo querer.

Receber beijos nos coloca na condição de espectador de algo que poderia ser vivido intensamente. Mesmo os beijos estalados, dados na bochecha ou na nuca, conversam com a pele e sentem os pêlos eriçados tocarem os lábios em resposta.

Dar um beijo, roubar um beijo só vale quando o outro colabora. Beijo forçado não é beijo, é lábio que aterrissa numa parede inerte que não escolhe aquilo que a toca. É como o mosquito que pousa em nossos tetos para perturbar o nosso sono. Ele não foi escolhido, ele só está ali.

No meu mundo, os abraços são cada vez mais verdadeiros e os beijos cada vez mais calorosos. Porque uma vida de beijos ganhos é uma vida sem trocar. E no espetáculo do amor (de todo tipo), mais vale ser ator principal do que platéia apática, que gasta aplausos a cada quadro a que assiste, como se não tivesse em si a capacidade de retribuir.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Desinteligência


Quando o sol desperta e nos convida às cores do dia que a noite esconde sob a lua é hora de abrir os olhos e seguir rumo ao infinito horizonte que oferece, em leque, as inúmeras escolhas que podemos fazer. Hora de sentir a última gota de orvalho pingar sobre a testa ansiosa, enquanto chega a chuva correndo faceira sobre o rosto em sorriso. Hora de decifrar contente as nuvens que trafegam livres na imensidão azul do céu. Hora de colher a brisa com as mãos em concha enquanto se salta por sobre as pedras de açúcar como se fossem elas os únicos obstáculos que o caminho oferece. Hora de transformar em castelo montes de areia erguidos ao sabor da carícia dos ventos que correm ao Deus dará. Hora de colher em árvores doses cavalares de felicidade embaladas pela melodia púrpura de sonoras gargalhadas. Hora de sentir a presença mágica dos sinais de uma matemática de onde nada se tira e tudo é soma. Hora de descortinar as cores sortidas que ficam cara-a-cara conosco quando olhamos pro espelho.

Não é uma questão de falta de compreensão. São apenas línguas diferentes. Cada um vê o mundo de uma cor. Seja melhor ou pior, tudo aquilo que se vê ou que se sente é legítimo. E quem consegue entrar no mundo de outrem com lentes-de-fazer-ver-tudo-aquilo-que-se-quer?


quarta-feira, 3 de junho de 2009

A crise do século


Ainda não sei porque choro sua ausência. Com você longe de mim, meu tempo tornou-se meu e de minhas tardes voltei a ser dona. Pude, enfim, retomar o tricô do tapete incompleto há tempos e bordar as toalhas de lavabo com o ponto-cruz que minha mãe me ensinou.

Li os livros que suas cansativas explanações sobre a correria do trabalho me faziam devolver à estante sem sequer completar o primeiro capítulo.

Tive tempo para assistir aos meus filmes favoritos sem as suas queixas sobre a pieguice do romance encomendado.

Acordei tarde, em plena segunda-feira, sem o peso na consciência que a sua agenda atarefada me impunha sem piedade.

Dormi na alta madrugada com o abajour aceso só para sentir a transgressão dos seus horários tão metódicos e da necessidade do breu que sequer me deixava fazer palavras-cruzadas para pegar no sono.

Por falar em palavras-cruzadas, fiz as dos jornais dos últimos domingos com um prazer indescritível. Você NUNCA deixou um quadradinho sequer em branco pra eu completar. Agora, até o "jogo dos 7 erros" eu faço. Adoro a sensação do jornal ser só meu.

Na última noite mesmo, usei minha melhor camisola, comprada há pouco (você nem chegou a conhecê-la, tinha guardado pra um momento especial que não teve tempo de chegar) e deleitei-me em meu próprio existir.

No fim-de-semana, fui à praia. De biquíni. E sabe o quê? Fui bastante paquerada. Você me convenceu de que eu ficava horrível de biquíni e nas poucas vezes em que fomos à praia, eu me enfiei dentro de um maiô senhoril.

Ah, se você tem alguma intenção de buscar suas coisas, nem precisa se preocupar. Joguei muita coisa fora. Mas outras eu não joguei, não. Tinha roupa com etiqueta, ainda! Se quiser reaver alguma coisa, dá uma passadinha no asilo aqui do bairro.

Sábado teve um petit comité aqui em casa. Sabe aquela minha amiga que você detestava? Então, está fazendo maravilhas por mim. Acabou de passar por um divórcio e sempre inventa uns programas divertidos pra gente fazer. A festinha aqui de casa foi organizada por ela. Um arraso!

A empregada, que você adorava, mandei embora. Ela insistia em fazer o arroz do seu jeito e eu cansei de comer cebola no lugar do alho. Contratei uma nutricionista com especialização em comida natural. Já emagreci uns bons quilos e voltei a caber nas calças jeans que você disse que era melhor eu dar.

Você deve estar se perguntando como eu estou pagando por isso. Sabe aquele Portinari de que você tanto gostava?

É engraçado isso, né? Quando fiz as contas hoje de manhã durante minha corrida matinal com meu personal trainer pela orla, percebi que já faz um século que eu me separei de você. 

Logo após a sua partida, pensei em te propor uma trégua, uma chance pra nós dois. Pensei por dias a fio em formas de conseguir resgatar tudo aquilo que eu achava que havia entre nós.

Mas aí olhei pros lados e vi a vida acontecendo. Tanta coisa boa ao meu redor. Tanta gente com quem contar. Tantos olhares a me cercar. Já se passou muito e muito aconteceu desde lá. Nem sei mais se o que eu sentia existia, nem se o que havia é tudo aquilo que guardei em minha memória. 

Só sei que o tempo passou.

Um século é tempo demais para voltar atrás, não acha?

terça-feira, 2 de junho de 2009

A última dança


Passo o tempo a pensar. Quanto mais o tempo passa, mais eu penso em poder parar. Parar o giro da Terra para poder pensar. Pensar no mundo, pensar em tudo o que há no mundo. Pensar no que faz o mundo girar.

A roda percorre o mundo porque gira em si, sem olhar pro lado. Nós percorremos a vida quando saímos do eixo, sem um cálculo acertado. Estar para a roda, assim como a roda está para si, significa ficar dentro da prisão que faz o pulso diminuir.

O coração tem que acelerar para viver o seu pulsar. O batimento que dá vida não pode nunca parar. O coração tem que amar e odiar. Amar porque o faz sentir que tem vida. Odiar porque um amor só acaba quando seu antônimo chegar.

E quando um amor acaba, não há como recuperar. É cada um por si num mar de dor que só é dor porque tamanho era o amar. E no amor que era, não há como continuar. Porque amor tem que ser no presente. No passado, é duro penar. No futuro, não é amor, é imaginar.

E aquilo que um dia era uma coisa pra sempre, virou coisa pra trás num balaio de palha em que não cabe guardar. Cabe apenas um pouco daquilo que suja, a poeira vai escapar. A ampulheta da vida deixa escorrer a areia que escreve os nomes de dois pro mar apagar.

A maré, que vai e vem, leva o mar-de-rosas e traz o sol nascente. A luz chega com o dia, enquanto a noite escurece o quarto sombrio. O sonho esquenta a cama que esfria no hiato do abraço vazio.

Mais um dia se passa e fica mais longe o sofrer. Cada dia é um dia a mais na arte de viver. Somar dias de dor não faz bem pro amor. Ele chega a qualquer instante, sem nenhum rigor. Não feche as portas nem janelas, que esse moço que entra no coração ainda não aprendeu a pular os muros, não.