quarta-feira, 3 de junho de 2009

A crise do século


Ainda não sei porque choro sua ausência. Com você longe de mim, meu tempo tornou-se meu e de minhas tardes voltei a ser dona. Pude, enfim, retomar o tricô do tapete incompleto há tempos e bordar as toalhas de lavabo com o ponto-cruz que minha mãe me ensinou.

Li os livros que suas cansativas explanações sobre a correria do trabalho me faziam devolver à estante sem sequer completar o primeiro capítulo.

Tive tempo para assistir aos meus filmes favoritos sem as suas queixas sobre a pieguice do romance encomendado.

Acordei tarde, em plena segunda-feira, sem o peso na consciência que a sua agenda atarefada me impunha sem piedade.

Dormi na alta madrugada com o abajour aceso só para sentir a transgressão dos seus horários tão metódicos e da necessidade do breu que sequer me deixava fazer palavras-cruzadas para pegar no sono.

Por falar em palavras-cruzadas, fiz as dos jornais dos últimos domingos com um prazer indescritível. Você NUNCA deixou um quadradinho sequer em branco pra eu completar. Agora, até o "jogo dos 7 erros" eu faço. Adoro a sensação do jornal ser só meu.

Na última noite mesmo, usei minha melhor camisola, comprada há pouco (você nem chegou a conhecê-la, tinha guardado pra um momento especial que não teve tempo de chegar) e deleitei-me em meu próprio existir.

No fim-de-semana, fui à praia. De biquíni. E sabe o quê? Fui bastante paquerada. Você me convenceu de que eu ficava horrível de biquíni e nas poucas vezes em que fomos à praia, eu me enfiei dentro de um maiô senhoril.

Ah, se você tem alguma intenção de buscar suas coisas, nem precisa se preocupar. Joguei muita coisa fora. Mas outras eu não joguei, não. Tinha roupa com etiqueta, ainda! Se quiser reaver alguma coisa, dá uma passadinha no asilo aqui do bairro.

Sábado teve um petit comité aqui em casa. Sabe aquela minha amiga que você detestava? Então, está fazendo maravilhas por mim. Acabou de passar por um divórcio e sempre inventa uns programas divertidos pra gente fazer. A festinha aqui de casa foi organizada por ela. Um arraso!

A empregada, que você adorava, mandei embora. Ela insistia em fazer o arroz do seu jeito e eu cansei de comer cebola no lugar do alho. Contratei uma nutricionista com especialização em comida natural. Já emagreci uns bons quilos e voltei a caber nas calças jeans que você disse que era melhor eu dar.

Você deve estar se perguntando como eu estou pagando por isso. Sabe aquele Portinari de que você tanto gostava?

É engraçado isso, né? Quando fiz as contas hoje de manhã durante minha corrida matinal com meu personal trainer pela orla, percebi que já faz um século que eu me separei de você. 

Logo após a sua partida, pensei em te propor uma trégua, uma chance pra nós dois. Pensei por dias a fio em formas de conseguir resgatar tudo aquilo que eu achava que havia entre nós.

Mas aí olhei pros lados e vi a vida acontecendo. Tanta coisa boa ao meu redor. Tanta gente com quem contar. Tantos olhares a me cercar. Já se passou muito e muito aconteceu desde lá. Nem sei mais se o que eu sentia existia, nem se o que havia é tudo aquilo que guardei em minha memória. 

Só sei que o tempo passou.

Um século é tempo demais para voltar atrás, não acha?

Um comentário:

Mari prima disse...

Eu acho!!