quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Feliz ano novo!


Quando nada é proibido, saem às ruas os medos, os desejos, as alegrias e as fantasias. É hora de jogar pra cima confetes e serpentinas e dar lugar às brincadeiras que a vida séria deixa em segundo plano. O bloco abre alas para os sorrisos que entoam juntos o canto da permissão. Vale tudo para ser feliz. Vale, até mesmo, acreditar numa felicidade que só existe nos 4 dias de carnaval.

Pode-se ser. Ou não ser. A questão é poder escolher. Se a sua estrela não brilha, plumas e paetês. Se brilha por si só, entre na passarela e deixe seu brilho se espalhar. Desfile suas bruxas e fadas. Assuma sua bela e sua fera. Se, de médico e louco, todo mundo tem um pouco, cure a tristeza e libere qualquer forma de expressão. Aqui, camisa-de-força é fantasia. Tenha um pouco de herói e, por que não, de vilão também. Abra suas asas. Voe pelas ruas. Expresse-se. Diga o que quiser. E não precisa me dizer quem é você.

O corpo é um mero instrumento da criatividade. É o suporte de cores, formas, personagens e mensagens. O sonho pede passagem. Não dá pra ficar imune. Carnaval é vírus. Quando menos se espera, o ar é suor e cerveja. A chuva, se vier, lava a alma da multidão e leva os males de 12 meses de espera.

E o ano, que fica parado até o carnaval chegar, começa quando terminam os festejos. E logo se inicia a contagem regressiva para o próximo carnaval. 2009 começou. Feliz ano novo!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Seria Deus, um sádico?


Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou um marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

Quando conseguia alcançar o bem pretendido, parava de freqüentar a casa de Deus. Ia uma última uma vez para agradecer. E depois saía pra comemorar. Começava a beber até entrar dentro da garrafa. Ficava imersa em um mar de cachaça até que a primeira briga com o marido a despertasse do estado de inércia em que se encontrava. Brigavam até altas horas. Gritavam e incluiam os vizinhos, involuntariamente, nas confusões noturnas de um casal ébrio.

Parava de se alimentar direito. Deixava alguns banhos de lado e, por vezes, trocava o nome dos amigos. Comprava fiado e não pagava. Pisava no rabo do gato, cozinhava feijão com açúcar e dormia em cima da mesa. Desistia do emprego novo, falava palavrão e riscava caixas inteiras de fósforos para distrair-se.

Perdia a graça do mundo. Desgostava das pessoas e ficava amuada. Parava de sair à rua. Não agüentava o falatório dos vizinhos. Trancava o marido pra fora de casa e ficava com o sofá só pra ela. Era absorvida pela televisão com a imagem chuviscada e tentava bloquear qualquer pensamento de sua mente.

Quando cochilava após o almoço, acordava assustada e suada. O calor invadia as janelas e trancava-se com ela no reino empoeirado que se erguia ao seu redor. Mal falava com o marido e os dois pouco se importavam com o vazio crescente entre eles.

Um belo dia, tomava um banho frio e sentia vontade de pedir a Deus para que tudo melhorasse. Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou outro marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Asas abertas para o mundo. Longos trajetos. Belo viver.


Um dia sonhei que estava nua. Acordei com as bochechas vermelhas.

No outro, sonhei que brigavam comigo. Acordei com lágrimas nos olhos.

Hoje eu sonhei que voava. Acordei com asas. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O futuro do pretérito


Consigo falar de mim. Consigo sim. Desde que joguei as palavras ao vento e coloquei este blog no ar, não fiz nada a não ser falar de mim. Quando escrevo sobre qualquer fantasia ou ficção, só consigo expressar coisas que estão guardadas aqui dentro. É o meu arquivo funcionando para adentrar em mundos novos ou nem tão novos assim. E tudo já é um pouco conhecido, já é meio meu, porque não há nada mais auto-biográfico do que um texto que expressa situações, sentimentos e percepções que, de alguma forma, fazem (ou fizeram) parte do meu arsenal de informação. A informação pode ser vivida ou estar vívida em minha mente vinda de qualquer outro canal, mas nunca é parte de algo absolutamente desconhecido.

Se escrevo sobre o fabuloso mundo dos polvos gigantes que soltam tinta cor-de-rosa, só o faço porque sei algo sobre os polvos (nem que eu tenha visto em alguma revistinha da minha infância), quero que eles sejam gigantes e acho que rosa vai combinar. Se descrevo a dor ou a alegria de um sentimento, é porque eu já o vivi. Se conto um conto, monto o cenário na minha tela imaginária com elementos que eu já vi, toquei, pisei, assisti em algum filme, li em algum livro. O que a imaginação me dá pra construir as minhas histórias e, por conseqüência, a minha história, é meu, é parte disso que sou. Se alguém me conta uma história linda ou diz uma frase genial, ganho um presente pro meu baú de palavras. Peço autorização se for usar em fronteiras além de mim. Se ganhar um sim, divido por aí a graça disso. Se ganhar um não guardo aqui mais uma portinha por onde entrar e imaginar.

O meu mundo é a soma de tudo o que eu fiz, faço, fui e sou. Complementado pelas pessoas que conheci e conheço. Adicionam-se coisas que perdi e encontrei pelo caminho, fatos e acontecimentos previstos e imprevistos, além de lugares por que viajei. Engrossam esse angu as histórias que ouvi, as comidas que comi e a quantidade de frutas e cores que conheço. Tem também as coisas de que gosto e de que não gosto. E as diferentes paisagens que contemplei, os filmes que me encantaram e os livros que me devoraram. Muito importante lembrar do número de passos que já contei e a mão que uso pra escrever (sou canhota no manejo do lápis e destra pro resto das coisas). Computo ainda, na matemática do meu ser, os arranhões, as picadas de inseto, os ossos que não quebrei, o aparelho fixo que usei, os dois pontos que levei e os óculos que, enfim, conquistei. São parte disso, ainda, os brinquedos feitos a partir de sucata, com destaque para o telefone de lata. E os meus talentos naturais (aquilo que é mais próprio de mim e por que eu nunca recebi um diploma)? 

Ah, tem também o nome! Um capítulo a parte na vida de qualquer pessoa. Meu pai é goiano e fala o "R" puxado. Minha mãe é alagoana e fala o "T" e o "D" com a língua tocando os dentes, com um sotaque bem nordestino. Na hora de escolher meu nome, tinha que ser um que os dois falassem igual. MaRcela, não podia. Nem TaTiana. Fiquei Thaís. Primeiro, sem "H". Meu pai achou com cara de "Tais" (tais artigos, tais coisas, tais despesas) e pediu pra colocarem uma letra extra no meio do "T" e do "A". O nome é coisa séria! Desde que nascemos somos destinados a carregar ele com a gente. Amado ou odiado, fruto de uma boa escolha ou um capricho dos pais, pode ser motivo de rimas belas, infantis ou até mesmo tristes. É a nossa identidade nua e crua: não tem como esconder, uma hora a professora vai e faz a chamada. Está lá a prova cabal que vai abafar o amado apelido ou entregar um sobrenome estranho. O nome é muito a gente. Determina uma parte da nossa personalidade desde que começamos a nos relacionar com o mundo e sermos chamados pelas pessoas que nos cercam.

E agora eu estou aqui, chamando a mim mesma. Escrevo um texto para que eu leia em voz alta e ouça um pouco das coisas que às vezes eu esqueço de conversar comigo mesma. Essa é a pauta de uma reunião interna, minha, com meu "eu". E, certamente, não foi a primeira e, muito menos, será a última. Eu sequer pretendo deixar de encontrar comigo mesma algum dia. Peço a você que registre os pontos mais relevantes e as questões omitidas para serem discutidos na próxima reunião. Por hoje é só. Todos estamos dispensados.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Receita de alegria


Brinque numa tarde de alfenim
Repouse em grama verde
Acorde em meio a flores
Faça do tempo seu jardim

Sonhe com um mundo em branco
Em suas mãos, lápis de cor em maço
Um futuro inteiro pela frente
À espera do seu traço

Lembre-se de lembrar das coisas
De recordar-se das pessoas
Quando se é mais que se tem
Esse é de todos, mais valioso bem

Não se esqueça de sorrir
Nem que preciso seja para este fim
Amarrar fita vermelha no dedo
E encher a vida daqueles papelzim amarelim

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Dia de Iemanjá


Bahia querida, terra de mi vida. 

Dois de fevereiro,
dia de Iemanjá.
Ofereço a ela uma pedra,
dou um mergulho no mar
Ofereço a ela um espelho,
e me pego a me olhar
Ofereço a ela um ramo de flores,
e peço em troca
um mundo de amores
(cores, sabores, olores)

Desejo a você Bahia, alegria, todo dia!

Sim, estou com saudades...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A primeira vez

As luzes apagadas. Os olhos pequeninos que me indagavam um pouco arredios. O passo pequeno e receoso. A mão suada que não queria mais soltar-se da minha.


Ela caminhava em direção àquilo que chamou de uma "televisão bem g(r)ande". A expressão apreensiva buscava compreender a nova realidade. Era a primeira vez dela no cinema. Nós havíamos chegado após o início da sessão e o breu tomava conta da sala repleta de famílias. Tudo muito novo e faltava luz. Luz para explorar.


Maria Clara teve a melhor atuação do filme. Ela ditava o ritmo, os diálogos, a fotografia. Ela escolhia perfeitamente a cena a que eu assistia em três dimensões. Aquela pequenina criança de dois anos e a enorme sala escura a desafiar-lhe. Num primeiro momento, rendeu-se à sua combatente e preferiu não invadir seus domínios. Dizia ela: "Muito barulho, não tem como abaixar?". E eu dizia que não, com uma cara de quem jamais havia questionado aquela instituição. Lembrei-me das vezes em que o volume estava demasiado alto e nada falei. Ou que o ar-condicionado congelava-me por completo e eu não reclamei. Simples assim, bastava perguntar pra alguém: "Não tem como abaixar?"


Entrava, saía. Sentava, corria. Sua expressão não negava o encanto e o espanto de estar ali naquela sala escura. As expressões mais do que reais revelavam o mais puro dos papéis. Sua capacidade de perceber cada estímulo do ambiente transformou a minha relação com o cinema. Pouco importava a tela nos chamando. Pouco importava o conteúdo do filme.


E, numa sequência digna de Oscar, a pequenina criança ia vencendo o inimigo aparente. Um passo mais pra frente. Um olhar mais atento à tela. Algumas vezes, até sentava-se no mar de cadeiras, como se o oponente deixasse de oferecer riscos. Aí um estalo, estouro ou grito vindo lá da "televisão grande" assustavam Maria Clara e ela corria pra fora da sala. Corria e achava graça, dirigindo nossa tarde com sua batuta mágica.


Embalávamos o nosso enredo com tudo a que tínhamos direito. Pipoca, balinha e um refresco. O cinema estava ali, mas o papel principal era dela. Usava o pouco que lhe bastava para contar a quem perguntar que ela já foi ao cinema. Ela já foi ao cinema! E não importa quanto tempo ficou lá dentro. Importa saber que cara tem aquele gigante de que tanto se ouve falar. Agora ela sabe.


Quando sua mãe vem buscá-la, ela pergunta super carinhosa e animadamente como havia sido a experiência da filhota:
-Maria Clara, como foi a ida ao cinema?
E, com um gestual impressionante pra sua idade e com a propriedade de quem sabe muito bem sobre que está falando, ela responde:
-A sala é beeeem g(r)ande... Tem muuuuuuita cadei(r)a... - e, colocando as duas mãozinhas abertas nos ouvidos, continuou - E o som é muuuuuuuuuito alto!


Sim, ela sabe bem o que é o cinema. Já deu um passo rumo ao desconhecido. Voltou pra casa com seu próprio roteiro, ensaiado com bravura em uma tarde qualquer, num cinema qualquer. Muita poesia em sua vida ainda está por vir. Muitos filmes também virão. Para sempre ela será o motivo que me fez achar o hall do cinema mais interessante do que o filme na tela. E aplaudir emocionada e de pé o final feliz.