domingo, 1 de fevereiro de 2009

A primeira vez

As luzes apagadas. Os olhos pequeninos que me indagavam um pouco arredios. O passo pequeno e receoso. A mão suada que não queria mais soltar-se da minha.


Ela caminhava em direção àquilo que chamou de uma "televisão bem g(r)ande". A expressão apreensiva buscava compreender a nova realidade. Era a primeira vez dela no cinema. Nós havíamos chegado após o início da sessão e o breu tomava conta da sala repleta de famílias. Tudo muito novo e faltava luz. Luz para explorar.


Maria Clara teve a melhor atuação do filme. Ela ditava o ritmo, os diálogos, a fotografia. Ela escolhia perfeitamente a cena a que eu assistia em três dimensões. Aquela pequenina criança de dois anos e a enorme sala escura a desafiar-lhe. Num primeiro momento, rendeu-se à sua combatente e preferiu não invadir seus domínios. Dizia ela: "Muito barulho, não tem como abaixar?". E eu dizia que não, com uma cara de quem jamais havia questionado aquela instituição. Lembrei-me das vezes em que o volume estava demasiado alto e nada falei. Ou que o ar-condicionado congelava-me por completo e eu não reclamei. Simples assim, bastava perguntar pra alguém: "Não tem como abaixar?"


Entrava, saía. Sentava, corria. Sua expressão não negava o encanto e o espanto de estar ali naquela sala escura. As expressões mais do que reais revelavam o mais puro dos papéis. Sua capacidade de perceber cada estímulo do ambiente transformou a minha relação com o cinema. Pouco importava a tela nos chamando. Pouco importava o conteúdo do filme.


E, numa sequência digna de Oscar, a pequenina criança ia vencendo o inimigo aparente. Um passo mais pra frente. Um olhar mais atento à tela. Algumas vezes, até sentava-se no mar de cadeiras, como se o oponente deixasse de oferecer riscos. Aí um estalo, estouro ou grito vindo lá da "televisão grande" assustavam Maria Clara e ela corria pra fora da sala. Corria e achava graça, dirigindo nossa tarde com sua batuta mágica.


Embalávamos o nosso enredo com tudo a que tínhamos direito. Pipoca, balinha e um refresco. O cinema estava ali, mas o papel principal era dela. Usava o pouco que lhe bastava para contar a quem perguntar que ela já foi ao cinema. Ela já foi ao cinema! E não importa quanto tempo ficou lá dentro. Importa saber que cara tem aquele gigante de que tanto se ouve falar. Agora ela sabe.


Quando sua mãe vem buscá-la, ela pergunta super carinhosa e animadamente como havia sido a experiência da filhota:
-Maria Clara, como foi a ida ao cinema?
E, com um gestual impressionante pra sua idade e com a propriedade de quem sabe muito bem sobre que está falando, ela responde:
-A sala é beeeem g(r)ande... Tem muuuuuuita cadei(r)a... - e, colocando as duas mãozinhas abertas nos ouvidos, continuou - E o som é muuuuuuuuuito alto!


Sim, ela sabe bem o que é o cinema. Já deu um passo rumo ao desconhecido. Voltou pra casa com seu próprio roteiro, ensaiado com bravura em uma tarde qualquer, num cinema qualquer. Muita poesia em sua vida ainda está por vir. Muitos filmes também virão. Para sempre ela será o motivo que me fez achar o hall do cinema mais interessante do que o filme na tela. E aplaudir emocionada e de pé o final feliz.

Um comentário:

Lucimar disse...

muuuuiiiiiiito legal!!!!!