segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Seria Deus, um sádico?


Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou um marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

Quando conseguia alcançar o bem pretendido, parava de freqüentar a casa de Deus. Ia uma última uma vez para agradecer. E depois saía pra comemorar. Começava a beber até entrar dentro da garrafa. Ficava imersa em um mar de cachaça até que a primeira briga com o marido a despertasse do estado de inércia em que se encontrava. Brigavam até altas horas. Gritavam e incluiam os vizinhos, involuntariamente, nas confusões noturnas de um casal ébrio.

Parava de se alimentar direito. Deixava alguns banhos de lado e, por vezes, trocava o nome dos amigos. Comprava fiado e não pagava. Pisava no rabo do gato, cozinhava feijão com açúcar e dormia em cima da mesa. Desistia do emprego novo, falava palavrão e riscava caixas inteiras de fósforos para distrair-se.

Perdia a graça do mundo. Desgostava das pessoas e ficava amuada. Parava de sair à rua. Não agüentava o falatório dos vizinhos. Trancava o marido pra fora de casa e ficava com o sofá só pra ela. Era absorvida pela televisão com a imagem chuviscada e tentava bloquear qualquer pensamento de sua mente.

Quando cochilava após o almoço, acordava assustada e suada. O calor invadia as janelas e trancava-se com ela no reino empoeirado que se erguia ao seu redor. Mal falava com o marido e os dois pouco se importavam com o vazio crescente entre eles.

Um belo dia, tomava um banho frio e sentia vontade de pedir a Deus para que tudo melhorasse. Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou outro marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

3 comentários:

carolina monte rosa disse...

quanto detalhe! que criação rica! É assim mesmo que a história acontece, né Tatá... achei bem Chico!

F@! disse...

A musa inspiradora super merecia ter lido isso. Vou providenciar djá!

Anônimo disse...

esse blog me inspira muito, vc escreve MUUUITO lindo.