quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Metrônomo

"O coração é o metrônomo da vida, e há muita gente na humanidade que se esquece disso."
Villa-Lobos

O metrônomo é um relógio que mede o tempo da música. Ele bate a intervalos regulares, indicando o compasso para o músico. A batida dá vida à melodia e define o ritmo da composição.

Até ver um destes de perto nunca tinha entendido o texto do grande Villa-Lobos. Eu ficava me perguntando: que troço é esse? Que palavra difícil foi essa que ele escolheu? O que isso tem a ver com o coração? E, ouvindo o bater ritmado do metrônomo, eu entendi o que ele quis dizer no texto em que afirma que o Brasil tem a forma de um coração e que a humanidade precisa de um metrônomo. O pulsar que nos mantém vivos anda descompassado. É preciso, ao menos, encontrar as pessoas que têm um coração batendo em um ritmo parecido com o nosso para unir forças pelo bem maior de todos. Vibrar na mesma sintonia por um mundo melhor.

Mas não sou ninguém para falar de metrônomos. Passo a palavras a Villa-Lobos que, com sua maestria, nos brindou com as belas palavras abaixo:

O Brasil tem forma geográfica de um coração. Todo brasileiro tem este coração. A música vai de uma alma a outra. Os pássaros conversam pela música. Eles têm coração. Tudo que se sente na vida se sente no coração. O coração é o metrônomo da vida, e há muita gente na humanidade que se esquece disso. Justamente, o que mais precisa a humanidade é de um metrônomo. Se houvesse alguém no mundo que pudesse colocar um metrônomo no cimo da Terra, talvez estivéssemos mais próximos da Paz. Por que se desentendem, vivem descompassados raças e povos? Porque não se lembram do metrônomo que guardam no peito, o coração.

Foi fadado por Deus, justamente o Brasil possuir uma forma geométrica de coração, e haver um ritmo palpitante em toda a sua raça, sobretudo no nordeste, este sentido de ritmo, de coração, essa unidade de movimento, esse metrônomo tão sensível.

Meus amigos, foi com esse pensamento que eu me tornei músico. Foi por isso que eu me tornei um escravo profundo e eterno da vida do Brasil, das coisas do Brasil. E, como não tenho o dom da palavra, nem da pena, mas tive o dom do som e do ritmo, transponho em sons e ritmos essa loucura de amor por uma pátria. Eis a minha apresentação. Eis o que é, em princípio, a justificação do que tenho feito pelo Brasil até a idade que tenho hoje. Peço perdão a todos de ter que falar um pouco da minha vida em relação a esse Brasil, mas é necessário e possa talvez servir de exemplo aos jovens seguir essa mesma trilha, esse mesmo destino que Deus me deu.

Eu fui pela música. E, se por acaso o meu exemplo possa servir de alguma coisa a todos os meus patrícios, façam o mesmo. Sejam livres. Lembrem-se do coração. Lembrem-se de que este é que é o metrônomo da realidade. Com ele terão a razão econômica de tudo, das coisas. Terão a medida exata da realidade da própria vida. Lembrem-se de que é a arte que vem do coração para um coração, de uma alma para outra alma, e a música é a primeira arte que conduz às outras artes. Eu não digo isto porque sou músico, não. Ela, porém, tem um poder positivo, digamos, um poder biológico.

Ela é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor. A música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, seus pais. A música é o alento do desventurado. A música é a alegria daqueles que são alegres. A religião, qual das religiões que existem sobre a Terra e que não usou da música como elemento de atração aos seus crentes? Essa música que Santo Ambrósio utilizou para formar depois os cânticos litúrgicos definidos. É com essa música, senhores, que precisamos compreender que o Brasil vive, e que ninguém percebe.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nem toda briga começa com a escolha de onde apertar o tudo de pasta dental


E aí ele vai e palita os dentes.

E a pouca ou quase inexistente intolerância, carinho e compreensão que havia entre vocês é engolida junto com a carninha que se desprendeu da gengiva na cutucada. E até o amor é engolido a seco e precisa de um gole de coca-cola para descer.

Assim se estabelecem as relações de quem não nasceu para didivir. É fácil dizer que o outro é difícil, que se veste mal, que escolhe as palavras erradas quando está na sala com seus pais. É fácil criticar a forma com que come, dirige, liga a tevê.

Existe entre nós algo de oculto que boicota as relações. Existe um diabinho que nos incita a ser intolerantes, exigentes e juízes do jogo da vida. Aprendemos a viver do nosso jeito, a construir o mundo sob o nosso ponto de vista e nada do que o outro traga acrescenta. Pelo contrário, atrapalha.

Vamos dando o nosso tom à música de nossa existência e, quando menos esperamos, dançamos sós, sem um par para carregar a rosa vermelha nos lábios.

Quando fechamos as janelas e criamos formas de viver que não consideram o outro, vão-se os amigos, vão-se os inimigos, vão-se os que sequer chegaram perto e vão-se, também, os amores. Aí, até o lugar onde cada um escolhe apertar a pasta de dente vira problema. E vira problema a escolha do filme na locadora, e vira problema onde ir no fim de semana. Coisas que poderiam ser prazeres edificados com os tijolos de cada um passam a ser um quebra cabeça de peças que não se encaixam. Quanto mais esforço, mais risco de quebrar.

Se a gente não cuida do outro e dos espaços em que o outro pode nos acessar, corremos o risco de fazer parte do entulho que nos rodeia. Fazendo parte da bagunça, fica difícil de ser encontrado.

A vida não-dividida não merece ser vivida.