segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Motivos para comemorar


A linha do horizonte (nunca torta!) é o nosso guia. Por ela passaram, não sem percebermos, inúmeros pôres do sol e algumas luas cheias. A linha que nos acompanhou na praia paradisíaca, no Cerrado torto, e até na cidade grande (que ficou pequena, de repente, para que nos encontrássemos).

Ampliamos nossos horizontes logo no começo: voamos até o céu para entender que nem ele era o limite. De lá, despencamos. Primeiro eu, depois você. Lá de cima, você só vibrou com a nova emoção depois que viu as listras que me flutuavam se exibirem coloridas. Sua alegria dependia do meu paraquedas se abrir.

E se abriu também meu coração para a novidade que era você. Suas portas abriram-se para mim e eu escancarei as minhas janelas para fazer caber seu mundo. Abriram-se seus braços para me receber assim, como eu sou, sem tirar, nem pôr. E meu sorriso se abriu. E se abre a cada dia. Mais e mais.

Isso é amor.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

De repente, não mais do que de repente, virei gente grande

De repente, 30. Aconteceu comigo. Hoje.

Ainda faltam dois meses para completar a minha terceira década de existência no mundo. Mas hoje caiu a ficha de que virei adulta.

E foi em uma atividade corriqueira que eu me vi saindo do meu corpo, do meu rosto, dos meus anseios juvenis para entender que eu tinha, enfim, crescido.

Já morei fora, já morei sozinha, já vivi na cidade, já vivi no interior, já dei entrada no sonho da casa própria, já preguei dois diplomas na  parede, já tomei banho de cachoeira, já tomei banho de mar, já vi um monte de amigos casarem e outros tanto terem filhos, já chorei e já sorri, mas NUNCA tinha sentido que eu era gente grande. Até eu ir ao banco hoje para pedir um cartão de crédito.

Você deve estar se perguntando, mas como assim? É isso mesmo, caro leitor (hey, tem algum leitor aí?), do alto dos meus quase-30, eu ainda brincava de cartão universitário, aquele laranjinha, descascado, amassado, meio quebrado, que precisa raspar na calça jeans para a máquina ler, sabe? E SEM cheque especial. Sempre achei mais seguro e mais garantido só gastar o que eu tenho e deixar pra amanhã o que eu não posso comprar hoje.

Mas aí tem a parcela do terreno que eu precisava ir ao banco para pagar. E as viagens internacionais, e as milhas, e a praticidade, e o Visa, e o Master, e o chip e blábláblá. E eu achei que era hora de ter o meu dinheiro de plástico em 50 tons de cinza, em vez dos 50 tons de laranja, e uma conta que suportasse transações de mais de mil reais.

E aí começou a sabatina de uma coisa que parecia grego pra mim. Qual o cartão a senhora deseja? Qual o limite? Qual anuidade você acha razoável pagar? E o pacote de serviços para sua conta de gente grande? Inclui cheques? E transferências entre contas do mesmo banco? E DOC? E TED?

Escolhi um cartão cinza, que não é Platinum porque achei que começar com primeira classe era um passo muito grande. Escolhi uma mensalidade pro pacote de serviços que não me obrigasse a pagar R$1,20 por folha de cheque. Escolhi uma anuidade pro cartão de crédito que vai zerar quando eu tiver R$100 mil aplicados no Banco (e quando vai ser isso mesmo?). E escolhi ser gente grande. Aquele dinheiro de plástico me fez cair na real.

Saí do banco com um contrato assinado para receber dois cartões de crédito (duas bandeiras diferentes, vai quê, né?), R$ 500 reais por ano comprometidos com encargos financeiros e uma lágrima no rosto. Aquele retângulo de 40 centímetros quadrados me jogou direto nos 30. Sem dó nem piedade. Com juros e correção monetária.

Acho que só vou esquecer daqui a dois meses, quando for a vez da vida me apresentar a conta das três décadas. Espero que o empurrão seja mais gentil, afinal de contas, já serei uma mulher de 30, né?

domingo, 15 de julho de 2012

Escutar o silêncio

Às vezes procuro escutar o silêncio. Calo-me tão profundamente que chego a ouvir as pequeninas vozes que habitam o meu interior. São vozes da alma, do coração, da intuição. O silêncio preenche-se dessas vozes e já não é vazio. O silêncio é o olho de fora pra dentro. É a cara que e gente tem quando não quer parecer nada, simplesmente ser. Quando escuto o silêncio, eu me escuto.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Os 29: a retomada!


Imaginei que aos 29 eu estaria casada, morando em uma casa linda. Talvez, com dois filhos e já grávida do terceiro. Certamente já teria viajado o mundo, conhecido o Taiti e toda a América do Sul (mesmo que tantas viagens fossem incompatíveis com três crianças). Não sabia muito bem o que ia estar fazendo profissionalmente, mas sabia que ia ser bem-sucedida. Já podia imaginar o meu guarda-roupa cheio de roupas assinadas por estilistas famosos e a recepção do meu escritório (não sei de quê) com cadeiras Barcelona e quadros do Volpi. Também achei que as roupas dos meus 18 ainda iam estar cabendo porque, é claro, eu jamais descuidaria do meu peso (essa lição era para ter aprendido quando mesmo?).

Aí eu acordo no dia 17 de março de 2012. Olho para a parede berinjela do quarto que não fica na minha casa linda, mas sim na casa linda dos meus pais. Onde foi parar o meu sucesso profissional? Nos meus sonhos adolescentes eu não imaginava que eu ia dar um pause na vida urbana e morar dois anos na Chapada Diamantina. E nem que quando eu voltasse ia acabar fazendo outra faculdade. Aos 29 estou começando uma nova profissão. CO-ME-ÇAN-DO! O que isso significa? Atribuições de iniciante, responsabilidades de iniciante e salário de iniciante.

Uma olhada rápida no espelho entrega que eu já não tenho mais vinte e poucos. A pessoa dá uma amolecida, sabe? Aí eu me lembro das minhas primas mais velhas contando que algumas coisas mudariam no meu corpo quando eu chegasse perto dos 30. Lá dos meus 25, eu não poderia acreditar que a gravidade iria agir tão rápido assim. Aos 29, tudo faz sentido.

O retorno à natação também me fez lembrar que meus 19 ficaram para trás. Faltou fôlego e disposição. Quarenta minutos na piscina me nocautearam e confundiram a minha mente por uma tarde inteira. Haja pulmão! É um cansaço que você não reconhece. Parece que tem alguma coisa errada, que você está doente. Calma, Thaís, a única coisa que tem de novo é que você nunca fez natação aos 29.

A parte boa é que sobram lampejos da lucidez mais madura que a sua curta vida pôde te proporcionar. É um momento em que você entende o que as pessoas mais velhas querem dizer com a frase "ah, se eu tivesse a sua juventude e a minha sabedoria"... Não que você não seja mais jovem. E nem que já tenha sabedoria. Mas é um passo a mais na evolução, né? É uma idade em que dá para ser menos impulsivo e mais consciente na hora de tomar decisões. O coração já não palpita por qualquer coisa e não é qualquer bobeira que você disse pra alguém que te faz perder uma noite de sono.

O fim do retorno de Saturno – para quem não sabe, esse Tsunami emocional e energético acontece na vida das pessoas em ciclos de 28 anos – parece ter chegado ao fim. Mas o mergulho em uma nova ladainha de "quem sou eu?" e "onde estou?" faz você chegar aos anéis do planetinha que vai te visitar aos 56. É tanto questionamento que a pessoa faz a fase dos porquês parecer pinto. O bom é que se espera cada vez menos de fora. O ruim é que a pressão interna aumenta demais.

Já não conto tantos amigos quanto antigamente (salve, Osvaldo Montenegro!). Mas sei bem o que esperar de cada um e deposito em cada um deles muito menos expectativa. O saldo é positivíssimo: eu sou mais eu e eles são mais eles. Ninguém fica esperando que o outro se encaixe num modelo. Todo mundo ganha!

O retrato dos meus 29 é o de uma mulher que ainda tem dificuldade em se chamar de mulher. Vira e mexe, ainda se refere a si mesma como garota. Vibro quando uma saia que comprei no começo da (primeira) faculdade entra em mim. Ainda tenho calças-meta no meu guarda-roupa para "o dia em que eu emagrecer". Ainda acredito no amor. Mas não quero mais saber de paixão. Meu coração só quer a sorte de um amor tranquilo (viva Cazuza!) – com sabor de lichia mordida, por favor!

Ainda acredito na minha casa linda, no meu casamento lindo, no meu escritório lindo e nos meus filhos lindos. Mas tenho parâmetros muito mais reais para cada um desses sonhos. Sei onde quero chegar sonhando e sem sonhar. Sei onde posso chegar por correr atrás. Deixo um pouco para a vida me proporcionar, afinal, saber de tudo e controlar tudo deixa o futuro muito sem graça. Aos 29 sou feliz, mas não sou feeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeliz, como mandam os livros de auto-ajuda e como profetizam as revistas com mulheres impecáveis e infalíveis – até a segunda página.

Aprendi que me aceitar como sou é muito melhor do que lutar para ser como eu acho que deveria. A vida não é surpreendente, nós é que somos. Feliz ano novo pra mim!

terça-feira, 17 de maio de 2011

Medo de novo. Medo do novo


Nem sempre estamos preparados para a felicidade. É um bichinho que chega cutucando a gente por trás quase implorando que viremos um pouco a cabeça para enxergá-lo. É uma presença tão desejada e nem percebemos quando se aproxima. Às vezes, não queremos olhar para trás com medo de ver que ela está ali, paradinha esperando que a gente sorria e diga: pode entrar.

Que medo é esse de ser feliz? Quando as coisas começam a dar certo, ficamos apavorados com as realizações que construímos e pelas quais batalhamos. Assusta ter sucesso, colocar planos em prática e resolver pendências antigas. Assusta estar com o quarto arrumado, o pé da cadeira consertado e a infiltração da parede resolvida.

Quando a felicidade se instala, a sensação que dá é que tem algo estranho acontecendo. Pode parecer que todo aquele sentimento é pouco, que lá na frente tem mais. Nesse caso, fica a sensação de incompletude, aquele comichão que faz a gente querer saber o que vem depois e que nos faz esquecer de viver a brisa boa do momento.

Tem horas em que estar acostumado não pode ser melhor do que tentar subir mais alto. Comodismo pode ter algo de confortável. Mas a vida em uma nota só não pode ter melodia.

Fato é que não estamos preparados para a felicidade. Fazemos escolhas que a tiram de nossa mira e ficamos confusos com o inebriante sentimento de ter chegado lá. No fim das contas, não tem mira nem ponto de chegada. Tem trilhas, caminhos e rumos que podem ser mais ou menos tortuosos.

"Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao caminhar"

O medo do novo não pode ser o medo de ser feliz.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Feliz dois mil e ouse


Pisamos em 2011. Assim como em anos anteriores, a virada do ano representa a renovação de um ciclo. É a hora em que nos desfazemos de algumas roupas que não usamos mais e que criamos uma série de planos que ainda não conseguimos realizar. É a hora em que deixamos de adiar certos planos (ou pelo menos tentamos) e que, bem ou mal, traz uma aura de renovação. Mudar de ano não significa mudar de vida, nem de essência. Mas pode ser o momento para rever certas posturas, certos comportamentos que já não fazem tão bem. A vida corrida e o dia-a-dia que atropela necessidades básicas de cada um de nós deve dar espaço para momentos de consciência sobre o tipo de vida que levamos e sobre que tipo de pessoa que queremos ser. Não dá mais para se desculpar pela falta de tempo se nunca mais teremos esse tempo de volta e se a vida acabar ficando cada vez mais corrida. Por causa da correria, acabei desejando feliz ano novo já com os dias avançados. Em 2011 eu vou tentar não ser tão atrasada.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O amor é Reveillon


Calo-me para escutar as angústias de minh'alma. O peito aberto sussurra o drama de bater descompassado.

Entre altos e baixos, salvam-se todos, porque não há nada de letal no amor. Não se morre de amar nem se mata de dor. Amar é viver para a morte que virá um dia. Pode demorar, mas sempre chega. As fichas sempre caem em momentos diferentes. Seja por bem ou por mal-me-quer.

Amar dá um pouco daquela sensação que a gente sente no fim do ano. É sempre um recomeço, mas tem tanta coisa pra fazer antes de chegar o ano novo. Tem tanta pendência pra resolver, tem tanta roupa pra doar, tem tanto armário pra arrumar, que mesmo que a casa esteja uma bagunça dá uma certa sensação de que seria melhor deixar como está só pra não ter que encarar a faxina.

Quando a gente ama, prefere ficar lá, amando sem parar. E nem sempre percebe que aquele sentimento difuso, que se confunde com um monte de outras coisas, já não é mais amor. Nem sempre ele faz cócegas no estômago. Muitas vezes, já tem séculos que a pessoa sequer consegue arrancar um sorriso da gente, quiçá uma crise de riso...

É difícil dizer adeus a um amor. Mas algumas partidas são necessárias para preencher o coração. O que já não é mais amor não pode ter razão de ser.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O dia em que virei Indiana Jones


Não sou expert nesses sites de compra coletiva. Sempre esqueço de verificar algum detalhe quando efetuo um negócio da China. Até agora, tudo o que comprei esteve mais para presente de grego, isso sim.

A última compra foi uma imperdível limpeza de pele com um peeling de diamante por apenas R$ 88. Ah, e o pacote incluía uma massagem relaxante. Parecia incrível e eu e mais algumas dezenas de muchachas dispostas a ficar belas por pouco dinheiro entramos no cardume. Talvez elas tenham sido mais espertas do que eu e acredito que eu devo ser a única entre todas que esqueceu de verificar a localização da clínica de estética. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o lugar ficava a 40 quilômetros da minha casa. Ê barato que sai caro!

Além da distância, ainda tive que lutar por um espaço na agenda, já que o cardume era grande e as vagas, poucas. Pouco mais de um mês depois da minha compra sensacional, rumei para o recanto da beleza sem fim. Achei que ia chegar em um SPA repleto de piscinas de água cristalina e moços fortes e malhados abanando moças jovens e esbeltas segurando copos de suco de frutas vermelhas com adoçante. Já tinha me imaginado caminhando pelos caminhos de seicho entre árvores frondosas e uma grama bem aparada.

O que encontrei foi uma saleta com divisórias de octanorme no terceiro andar de um prédio esquisito e uma esteticista tagarela. Era incrível a capacidade dela de não parar de falar. E mais: fez um discurso quase possuído sobre higiene, limpeza e esterilização. Senti que estava no reino da assepsia até que, de luvas, ela pegava todo o material de que precisava, abrindo e fechando portas de armários, mexendo nos equipamentos e até atendendo o telefone. Ou seja: luvas para quê, né?

Ignorei a parte das luvas e me resignei a escutá-la. O tal do peeling de diamante não tem nada de glamouroso. É uma lixa com ponta de diamante que esfolia sua pele a força. Até aí nada de mais. O bicho pegou mesmo quando ela colocou uma argila no meu rosto e disse que eu tinha de ficar calada, imóvel. Depois de passar tudo, ela disse: essa argila dá uma repuxada na pele, por isso a gente sempre pergunta se a pessoa é claustrofóbica, sabe? E eu, reduzida a uma múmia silenciosa me perguntava em silêncio: como assim ela sempre pergunta? Ela não me perguntou nada!

Achei que ia ser uma repuxada básica, tipo cola branca na mão. Foi aí que o desespero começou. A argila repuxava em todos os sentidos e parecia que tudo ia mudar de lugar no meu rosto. Já estava vendo a hora dos olhos encontrarem com a boca. Me senti emparedada, que nem na cena em que o Indiana Jones parece ter chegado ao trágico fim de ser esmagado por duas paredes que vão se juntando. E não podemos nos esquecer de que eu estava cumprindo a lei do silêncio à risca, o que só aumentava meu desespero dentro daquela máscara que ia endurecendo na minha cara, com a possibilidade de me transformar na Senhora Cabeça de Batata depois de uma criança de dois anos ter encaixado as peças.

Algum tempo depois, a esteticista tagarela tirou as paredes do Indiana Jones do meu rosto e disse que tinha anunciado outra promoção no site de compra coletiva. Desta vez era uma massagem relaxante para pés e mãos das sereias e tubarões. O cardume que me desculpe, mas prefiro seguir na carreira solo. Compra coletiva pode terminar em filme de aventura.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O mundo de Sofia que Saramago não imaginou


De todo vazio, resta uma mente repleta de pensamentos difusos. Acalmar a razão quando o coração não consegue nem pensar em pensar é tarefa para raros. É preciso subir na ponta do pêlo do coelho para ver de fora o que a pelugem nos deixa escapar. Caminhar pelas colunas felpudas esbarrando em uma cegueira branca desnorteia quem quer que seja.

Olhar para frente e só ver uma cor não é enxergar. Como ouvir não é escutar. No fundo, o que Napoleão guardava sob a mão direita era o coração. Não há como viver sem ele, nem só com ele.

Você precisa se amar para me amar. E eu preciso ser inteira para dividir com você a vontade de ser um só.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Metrônomo

"O coração é o metrônomo da vida, e há muita gente na humanidade que se esquece disso."
Villa-Lobos

O metrônomo é um relógio que mede o tempo da música. Ele bate a intervalos regulares, indicando o compasso para o músico. A batida dá vida à melodia e define o ritmo da composição.

Até ver um destes de perto nunca tinha entendido o texto do grande Villa-Lobos. Eu ficava me perguntando: que troço é esse? Que palavra difícil foi essa que ele escolheu? O que isso tem a ver com o coração? E, ouvindo o bater ritmado do metrônomo, eu entendi o que ele quis dizer no texto em que afirma que o Brasil tem a forma de um coração e que a humanidade precisa de um metrônomo. O pulsar que nos mantém vivos anda descompassado. É preciso, ao menos, encontrar as pessoas que têm um coração batendo em um ritmo parecido com o nosso para unir forças pelo bem maior de todos. Vibrar na mesma sintonia por um mundo melhor.

Mas não sou ninguém para falar de metrônomos. Passo a palavras a Villa-Lobos que, com sua maestria, nos brindou com as belas palavras abaixo:

O Brasil tem forma geográfica de um coração. Todo brasileiro tem este coração. A música vai de uma alma a outra. Os pássaros conversam pela música. Eles têm coração. Tudo que se sente na vida se sente no coração. O coração é o metrônomo da vida, e há muita gente na humanidade que se esquece disso. Justamente, o que mais precisa a humanidade é de um metrônomo. Se houvesse alguém no mundo que pudesse colocar um metrônomo no cimo da Terra, talvez estivéssemos mais próximos da Paz. Por que se desentendem, vivem descompassados raças e povos? Porque não se lembram do metrônomo que guardam no peito, o coração.

Foi fadado por Deus, justamente o Brasil possuir uma forma geométrica de coração, e haver um ritmo palpitante em toda a sua raça, sobretudo no nordeste, este sentido de ritmo, de coração, essa unidade de movimento, esse metrônomo tão sensível.

Meus amigos, foi com esse pensamento que eu me tornei músico. Foi por isso que eu me tornei um escravo profundo e eterno da vida do Brasil, das coisas do Brasil. E, como não tenho o dom da palavra, nem da pena, mas tive o dom do som e do ritmo, transponho em sons e ritmos essa loucura de amor por uma pátria. Eis a minha apresentação. Eis o que é, em princípio, a justificação do que tenho feito pelo Brasil até a idade que tenho hoje. Peço perdão a todos de ter que falar um pouco da minha vida em relação a esse Brasil, mas é necessário e possa talvez servir de exemplo aos jovens seguir essa mesma trilha, esse mesmo destino que Deus me deu.

Eu fui pela música. E, se por acaso o meu exemplo possa servir de alguma coisa a todos os meus patrícios, façam o mesmo. Sejam livres. Lembrem-se do coração. Lembrem-se de que este é que é o metrônomo da realidade. Com ele terão a razão econômica de tudo, das coisas. Terão a medida exata da realidade da própria vida. Lembrem-se de que é a arte que vem do coração para um coração, de uma alma para outra alma, e a música é a primeira arte que conduz às outras artes. Eu não digo isto porque sou músico, não. Ela, porém, tem um poder positivo, digamos, um poder biológico.

Ela é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor. A música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, seus pais. A música é o alento do desventurado. A música é a alegria daqueles que são alegres. A religião, qual das religiões que existem sobre a Terra e que não usou da música como elemento de atração aos seus crentes? Essa música que Santo Ambrósio utilizou para formar depois os cânticos litúrgicos definidos. É com essa música, senhores, que precisamos compreender que o Brasil vive, e que ninguém percebe.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nem toda briga começa com a escolha de onde apertar o tudo de pasta dental


E aí ele vai e palita os dentes.

E a pouca ou quase inexistente intolerância, carinho e compreensão que havia entre vocês é engolida junto com a carninha que se desprendeu da gengiva na cutucada. E até o amor é engolido a seco e precisa de um gole de coca-cola para descer.

Assim se estabelecem as relações de quem não nasceu para didivir. É fácil dizer que o outro é difícil, que se veste mal, que escolhe as palavras erradas quando está na sala com seus pais. É fácil criticar a forma com que come, dirige, liga a tevê.

Existe entre nós algo de oculto que boicota as relações. Existe um diabinho que nos incita a ser intolerantes, exigentes e juízes do jogo da vida. Aprendemos a viver do nosso jeito, a construir o mundo sob o nosso ponto de vista e nada do que o outro traga acrescenta. Pelo contrário, atrapalha.

Vamos dando o nosso tom à música de nossa existência e, quando menos esperamos, dançamos sós, sem um par para carregar a rosa vermelha nos lábios.

Quando fechamos as janelas e criamos formas de viver que não consideram o outro, vão-se os amigos, vão-se os inimigos, vão-se os que sequer chegaram perto e vão-se, também, os amores. Aí, até o lugar onde cada um escolhe apertar a pasta de dente vira problema. E vira problema a escolha do filme na locadora, e vira problema onde ir no fim de semana. Coisas que poderiam ser prazeres edificados com os tijolos de cada um passam a ser um quebra cabeça de peças que não se encaixam. Quanto mais esforço, mais risco de quebrar.

Se a gente não cuida do outro e dos espaços em que o outro pode nos acessar, corremos o risco de fazer parte do entulho que nos rodeia. Fazendo parte da bagunça, fica difícil de ser encontrado.

A vida não-dividida não merece ser vivida.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Poesia ao contrário


O mar que não mais beija o céu.

A borboleta que não mais pousa na flor.

A noite que não mais termina em um dia de sol.

O sono que não mais tem um guardião.

O beijo que não mais tocará os lábios.



A vírgula que não veio após o ponto.

A lua que não veio, cheia, a seu tempo.

O mundo interior que já não é mais tão lindo assim.

A alma que não mais passeia entre os corpos.


Nem todo dia se sente que o mundo deve fazer sentido. E quem disse que há sentido pra tudo?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Dúvida

Para que colocaram no dicionário aquela palavra de três letras que termina com M, tem um I no meio, mas não começa com S?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O abismo entre falar e ser ouvida


O silêncio traz a dimensão do infinito. É um meio de enxergar ao longe o que a percepção deixa escapar quando ficamos atordoado com estímulos sem fim. O silêncio transporta para a imensidão do desconhecido, daquilo que abrigamos em locais escuros e pouco visitados. O silêncio nos provoca, nos incita, nos excita. Um passo para transformar a imensidão em devassidão. Estar em contato com tudo o que existe de mais sagrado e mais profano em nossas mentes ocupadas apenas pela ofegância da respiração descompassada.

O silêncio é porta de saída e de entrada. É começo, meio e fim. Ficar em silêncio é uma forma de nos ouvirmos, de conversar com nossas vozes. O silêncio por ser ensurdecedor. Pode reunir sonhos, pensamentos e imaginações ao mesmo tempo. Pode ser uma balbúrdia em que não se distingue o que é, o que foi e o que nem pode ser.

O silêncio pode ser o mundo berrando para calar tudo o que existe dentro de nós. O silêncio pode ser tudo dentro de nós berrando para calar o mundo.

O silêncio pode ser a ausência absoluta. Ou a presença sufocante.

Silêncio pode ser barulho. Ou apenas, silêncio.

domingo, 1 de agosto de 2010

Nada melhor do que não fazer nada...


É incrível como a semana atribulada nos faz desejar dias de paz no fim de semana e, quando chega o sonhado descanso, uma dose de culpa pelo não fazer nada toma conta de nós. Ficar de barriga pra cima sem nenhuma obrigação é o primeiro passo para o cérebro começar a ferver com ideias para ocupar o tempo livre. Mas não era justamente de tempo livre que estávamos precisando?

A vida corrida dos dias de hoje não nos permite o nada fazer. Mesmo quando não temos nenhum compromisso ou obrigação, vamos revirando nossos arquivos mentais para descobrir alguma pendência, algum assunto importante esquecido. E é impressionante a nossa capacidade de encontrar um milhão de possibilidades que vão ocupar o tempo já não tão livre assim. E no fim das contas, o fim de semana passa voando e a sensação de que as horas foram parcas para o cansaço e para o sonhado descanso nos fazem sonhar com o próximo fim de semana.

E quando chegam os dois dias de prêmio, novamente nos esquivamos do ócio e colocamos a nostalgia da correria e a saudade da rotina para matutar novas formas de não curtir a liberdade de horários.

Não sei se o ser humano nasceu para ser uma maquininha de trabalhar. Não sei se a sociedade atual transformou a gente num robozinho que não desliga nunca. Só sei que não olhar para os relógios e desligar o celular é uma combinação que vai muito bem com uma rede. Abrir um livro gostoso, tomar um chá e simplesmente não pensar em tudo o que ficou na vida lá fora pode ser uma ótima forma de retomar as obrigações diárias com as baterias renovadas.

Se você nunca tentou, não esqueça de afrouxar um parafuso, de garantir um bom estoque de comida e de deixar uma leitura agradável ao alcance das mãos. Qualquer dificuldade para relaxar deve ser vista como um passo natural no processo. Conte carneirinhos ou preste atenção na sua respiração. Um chocolate ou uma boa companhia podem ajudar. Só lembre de ligar o despertador do celular para não achar que a segunda-feira faz parte do pacote.

E boa viagem!


domingo, 11 de julho de 2010

Impermanência


Tudo aquilo que não é, está/Tudo o que pode ser, será/O dia que está por vir, virá/O que não deve permanecer, acabará/O pensamento que não cabe mais, transbordará/O movimento da dança de dois, cá e lá/O sentimento que veio lembrar/Peles que se encaixam como um jogo de montar/O cabelo que acaricia as costas sem tocar/A noite que enxerga o dia, luar/Asas que batem, se batem, voar/O que é uma possibilidade, quiçá/O futuro é a certeza do Deus-dará

sábado, 3 de julho de 2010

Ligando os pontos


Ela olhou para ele e decidiram dar-se as mãos. Ele olhou para ela com olhos de querer bem e apertou mais ainda sua mão entrelaça a dela. Os dedos, esmagados, queriam se juntar. Ali não havia dor, apenas querer estar mais perto.

Os braços eram ponte para o amor que ali havia. Eram o elo que unia os corações que se amavam. O suor das mãos apertadas era o orvalho do sentimento que transbordava. Dois caminhos que se encontram para virar um mesmo andar.

Quando não há bifurcações o destino é menos incerto. O caminho de dois é mais fácil quando a direção é a mesma. Ninguém sabe para onde o outro que ir se não souber escutar.

Braços: dados.
Ouvido: alerta.
Coração: remédio.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Insônia


A certeza do nascer do sol é o que torna a noite suportável. Dormir sem pregar os olhos não faz o relógio correr mais depressa. Pelo contrário, estica as horas. Enquanto o frio invade o cobertor, o vento brinca de assombrar.

Calafrios. E medo de não despertar.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Muros altos


Hoje eu sorri pro mundo e ele não me sorriu de volta. Pensei que o mundo poderia estar zangado com tantas agressões que o bicho-homem tem feito a ele. Ao invés de provocar um maremoto, resolveu me fechar a cara.

Depois de um tempo segurando meu sorriso amarelo, entendi que o mundo continuava girando. O sol tinha nascido. E até a lua dava o ar da graça mesmo no dia claro. Com o mundo estava tudo bem, na medida do possível, é claro. Quem viu as rugas na testa dele fui eu. O tom de cinza era cor da minha paleta. Pintei o mundo de fuligem para não admitir que a sujeira estava em mim.

Decidi soprar bem forte para afastar a névoa que me ofuscava a visão. Um suspiro para descortinar o mundo. Tentei olhar para ele com mais amor e poesia. Consegui encontrar respostas para as minhas perguntas. Só vejo beleza quando ela está comigo.

Nem sempre as portas estão abertas. Às vezes é preciso pular muros para continuar caminhando.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mergulhos


Prender a respiração e submergir leva ao fundo do mar. Leva às profundezas mais belas e mais escuras. No fundo do mar moram peixes, cavalos, estrelas e uma pá de coisas que só existem lá. Mas para se chegar até tão longe, há que se enfrentar a falta de luz que a distância da superfície impõe.

O sol beija a água para revelar o seu azul. Mas o beijo dura apenas o tempo da luz. As camadas mais submersas não se revelam aos olhos, mas podem ser penetradas a nado, com braçadas desbravadoras de quem deseja explorar a imensidão de tanta água.

O gosto do mar é o gosto da lágrima. Um oceano de choros de alegria e tristeza. Um mundo que chora. De amor e de dor. Um mundo que tem superfície, mas não oferece a chance de pisar. Para descobrir o mar, é preciso afundar. Para descobrir de que cor é o azul do mar, é preciso se encontrar.

No oceano infinito, não dá para se preocupar com a falta de ar. É importante respirar fundo, mas só para garantir a força do mergulho. Há que se ter estômago. Fôlego, só para aumentar a contemplação.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Andar descalço por aí


Quando a gente esquece a delícia de colocar os pés diretamente sobre a grama logo cedo, quando o sereno ainda é o suor de cada folha verde que amortece o peso de nossos corpos em sua delicadeza, é hora de tirar os sapatos.

Os sapatos não nos deixam sentir o chão sob os pés. Se está quente ou frio, não sabemos. Nós nos colocamos acima do solo e nos isolamos do contato direto com o que nos estabiliza. Protegendo os nossos pés, deixamos nossas raizes de fora da terra.

Solados isolam. Não há a chance de tomarmos um choque bruto. Não há a chance de absorvermos a seiva bruta. Assim como o rabo do cachorro é o sorriso que ele pode oferecer, os pés são as asas de quem só pode voar em pensamento.

A sola do pé, raiz. A palma da mão, antena. Com-tato.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Desanuviar


Subo tão alto que chego a tocar o céu. Os pés descalços passeiam pelo ar em brancas nuvens. Tocar o chão significa pisar na realidade. A distância é quase como entre o céu e a terra. Ou melhor, entre o céu e o mar. O mar devolve para o céu o azul que ficou lá embaixo. O céu conversa com o mar em forma de chuva. Eles se viram como podem para encurtar distâncias.

Já eu, subo e desço. Mas nunca piso no chão nem toco o teto do mundo. Nem tanto ao mar, nem tanto ao céu.

Para beber da fonte, água
Para matar a sede, beijo
Para dormir com sono, abraço
Para pé com frio, calor
Para manhãs insones, sol
Para domingos à tarde, teatro
Para dia de feriado, cachoeira
Para fome de novidade, livro
Para dançar no escuro, música
Para a mesa de cabeceira, rosas
Para manter a ordem, bagunça
Para fugir de casa, silêncio

Para quem ama, línguas.
El mar. El cielo.


domingo, 18 de abril de 2010

Paciência


Entre a lagarta e a borboleta, há a espera. Entre duas mãos, o calor. Entre dois instantes, o tempo.

Cada pessoa tem seu passo. E em cada caminhada, um caminho. O objetivo nem sempre é o mesmo, mas os passos que se cruzam jamais retomarão o caminhar da mesma forma.

Há o tempo para se olhar. E o tempo para olhar o outro. Há o olhar que não enxerga o tempo. E os olhos que vêem o tempo passar.

A metamorfose não acontece do dia para a noite. É de um grande sentimento de inconformismo, ao tentar sair do casulo, mexendo para um lado e para o outro, que a lagarta se torna uma borboleta.

Ficar dentro do casulo é só uma forma de se preparar para voar. O amor exige asas, as borboletas. Mas também requer o período de incubação, o casulo. A transformação interna é o que possibilita o vôo.

Quando as borboletas vão parar no estômago, a gente sabe que a metamorfose foi completa.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pelo alargamento do fim-de-semana!


Segunda-feira é sempre um dia estranho. Não menos do que o domingo, que é pintado com uma camada cinza muito própria dele. É uma cor que só se manifesta aos domingos. Assim como existe o brilho próprio da sexta-feira. É um brilho que só ela tem. É meio dourado, meio bronze. E reluz. Tem um tipo de pôr-do-sol que só existe na sexta. Parece muito com o de sábado, só que tem mais alegria, justamente porque é um prenúncio do sábado.

O domingo é aquele dia em que podemos curtir o não fazer nada, mas preferimos ficar incomodados com a proximidade da segunda. Mesmo que segunda seja a nossa folga, ou que estejamos de férias, ou que possamos acordar mais tarde. Deve ser herança dos tempos de colégio, em que amargávamos o domingo pensando na volta às aulas do dia seguinte. Aí estendemos essa sensação pra faculdade, pro estágio, pro trabalho. E a coitada da segunda-feira vira vítima do nosso pavor.

A segunda é o dia em que nosso relógio biológico reclama da hora de acordar. Nunca é tarde demais pra levantar na segunda-feira. Os olhos grudam, a cama chama, o dia fica looooooongo. A saudade do fim-de-semana nos faz blasfemar contra o dia que interrompeu a farra e essa angústia só acaba na terça-feira.

Quando chega a terça, já vai começando aquela sensação de que dali a três dias chega a sexta, mais uma vez. É uma sensação parecida com parar no sinal fechado: é super chato, parece que demora um século, mas dá um alívio ter a certeza de que o sinal vai abrir. E assim como o sinal sempre abre, a sexta-feira sempre chega.

Quando chega a quarta, logo no começo do dia a gente pensa: faltam três dias pro final de semana. Quando chega o fim do dia, a gente pensa: só faltam mais dois dias. A quarta tem esse poder de carregar em si começo e fim. Começa dividindo a semana ao meio e termina sendo quase quinta que é quase a sexta.

Aí chega a quinta-feira, como toda a pompa de quem abre passagem para a sexta-feira. Nesse dia, dá até pra dar uma esticadinha porque, afinal de contas, ficar cansado na sexta não tem problema, porque logo, logo chega o descanso. Quinta tem um pouco de fim-de-semana em sua essência.

Aí você dorme, ou não, na quinta, com a alegria de saber que vai acordar e já é sexta. Já percebe aquele brilho novo no ar. O dia começa e fica tudo diferente. As pessoas sorriem mais, o clima já é de festa. Mal chega o fim do expediente e o trânsito já tá caótico. Mas tudo dentro do espírito festivo de sexta. Dia em que o trabalho não rende e que o final-de-semana torna-se a cada minuto, mais real.

O sábado dispensa comentários. Fica entre a sexta e o domingo. Só traz coisa boa. Você dorme na sexta e acorda no sábado, sabendo que ainda sobra o domingo pra sofrer pela segunda. E o sábado tem essa vantagem de não ter se tornado o dia em que as pessoas sofrem pelo domingo. É, sábado é lindo!

E pro mundo ser mais feliz, eu sugiro que todas as segundas virem o domingo número dois. E a gente tem que prometer que não vai transformar a terça em algoz. E que vai parar de sofrer com a chegada da segunda. Aí a gente tem mais fim-de-semana e menos dia útil.

Melhor do que isso, só licença remunerada por tempo indeterminado. E vamo que vamo, minha gente. Porque a vida passa rápido e a gente tem que aproveitar. Faça chuva ou faça sol. Seja sábado ou segunda. E enquanto minha campanha não se torna real, a gente se diverte 24 horas por dia, 7 dias por semana.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Manhã de domingo


No guardanapo de papel, a letra em garranchos dizia o que não era preciso dizer. As palavras menos necessárias, tornam-se mágicas quando ditas por quem não precisa delas.

As bochechas vermelhas, envergonhadas, mal conseguiam enfrentar a presença mais do que notada. O olhar se desviava. E quanto menos se olhavam, mais pressa tinham de se encarar logo de uma vez.

Os rostos desencontravam-se na angústia de quem quer logo se encontrar. O peito acelerado buscava o compasso alheio para não bater sozinho.

Numa manhã de domingo é possível deixar o ar escapar, o corpo todo se encher e o coração sair pela boca?

Tomou uma água de côco. Correu. Para não se sentir só, cantou. Para não se sentir tão leve, tirou o tênis e pisou a grama.

Fugir é um tipo de solução.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Lua nova


Engulo a noite com ânsias de quem tem pressa. Cada zumbido é testemunha da minha fome despudorada. As mãos abertas tentam pegar o que não podem carregar. Tento aumentar o passo, dar pulos para chegar logo. Faço queda de braço com o vento e deixo os cabelos embaraçados.

Quero ir adiante, entrar no meio da partida. Quero ser a juíza e apitar logo fim do jogo.

Não prego os olhos. Não sei meu nome. Não consigo mais sonhar.

Sigo a linha. Pulo a cerca. Jogo uma pedra na janela.

Um bilhete. Um nome. Um sinal.

Se hoje fosse lua cheia, ela virava um ponto final.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Calendário


Segunda-feia
Terça-freia
Quarta-fria
Quinta-freira
Sexta-feira
Sábado de aleluia
Domingo de novo

domingo, 11 de abril de 2010

Essa boneca não tem manual


Escrevo para matar a vontade de não escrever. Cada vez que o lápis aponta o papel, fujo um pouco de mim para passear pela página em branco. Subo pelas paredes para lembrar que piso o chão. A maior loucura é tentar ser lúcida o tempo todo.

Sorrir para tudo e rir de tudo não é coisa de gente feliz. Um pouco de desespero é o tempero certo para a calmaria que segue a tempestade.

Só dá branco quando a gente precisa clarear as ideias. Aí é melhor afundar a cabeça no buraco negro e sumir.

Tem uma nuvem em cima de mim. É um balão aqui em cima da cabeça pra divulgar a minha tela mental. Um filme desses que ninguém entende, mas finge que entende para não se sentir menor. Depois da sessão, comentários que não fazem sentido. Melhor assistir Hollywood e entender o enredo. Meu filme é complicado demais. Pode mudar de sala, o ingresso vale pra mais de uma sessão.

Combinar a lingerie é um desejo íntimo. Saber como a noite começa é normal. Não saber como termina também.

Dançar é uma forma de voar. Dormir é uma forma de esquecer. Comer é uma forma de sentir prazer.

Pintar e boca é arte. Borrar o batom é arte moderna.

Arte mesmo é viver.

Quero ser o museu de mim mesma. Um epitáfio que diz o que penso. Não estanque. Não post mortem. Um epitáfio de vida, entende?

Acho que eu preciso de um manual.


sábado, 10 de abril de 2010

O calor da noite fria


Dormi sem escovar os dentes para não perder o gosto da noite. Trouxe para a cama o sabor do vinho que aquecia o corpo. As palavras cuidavam da alma. Não há chave-mestra melhor do que o verbo para abrir o coração. Portas escancaradas dão passagem a gestos amplos e transformam olhares.

O céu despejava asteróides para pedir desejos em troca. A lua minguava para sorrir. À noite, nem todos os gatos são pardos. Uns brilham mais que outros.

A história não se repete porque não tem o mesmo começo. Nem o mesmo fim. O princípio foi ontem, quando o hoje nem sonhava em existir.

De braços dados com as estrelas, subo uma escada imaginária para acender o sol. Esperar o dia novo é sempre uma forma de recomeçar.

domingo, 4 de abril de 2010

O Adeus


Enquanto caminhávamos rio abaixo, as quatro permanecíamos caladas. Virar-se de costa para a serra e despedir-se das águas que corriam deixava-nos todas sem palavras.

O caminhar esboçava o sentimento de quem vai, mas fica. Os passos descompassados mostravam a resistência em partir. A fila indiana era o abraço que não deveria ser interrompido. As pernas se alternavam com certa vontade de voltar para trás e sentarem-se cruzadas no chão de pedras esquentado pelo sol. O contato com a natureza, o sentimento de pertencer ao local, davam a dimensão do quanto se é pequeno ao pé de uma montanha. Mas também do quanto se pode ser grande perante a vida e as escolhas que fazemos.

O silêncio falava o que todas pensávamos. Aquele momento só existia ali, enquanto andávamos, pensativas. Em poucos minutos, nós nos dispersaríamos e nos restaria a lembrança das risadas, da água, do céu e da amizade sem fronteiras. Ao som do canto do rio, cantávamos em coro calado a felicidade de respirarmos o mesmo ar. O momento, um presente.

As águas que desciam a serra carregavam nossos medos. E nossos passos deixavam para trás a certeza de que aquele lugar será para sempre um ponto de força, um campo de sonhos. Os laços não descem pelo rio. Nem a alegria de saber que, como o rio jamas será o mesmo, nós jamais seremos as mesmas. O rio leva as dúvidas e traz a certeza de que sempre renovaremos nossos votos de vida. Pisando naquela rocha, ou lavando as pedras que carregamos em nossas mãos.

A água que leva a alma, lava um tanto do meu ser. A água que lava a alma, leva um tanto do meu ser.

domingo, 14 de março de 2010

Diagnóstico


Tá bom, já entendi. Você é homeopático.

Enquanto eu faço planos, sonho, imagino um milhão de possibilidades, de viagens, de momentos ao seu lado, você trabalha, pensa na sua vida e almoça tranquilo. Enquanto eu não consigo dormir de tanta vontade de passear por teu corpo e ocupo-me horas a fio pensando em você, você nem se lembra de mim a maior parte do tempo.

Eu passo o dia inteiro esperando o meu celular tocar. De quando em vez, você se recorda da minha existência e me faz um convite (o qual eu aceito prontamente, é claro). Às vezes, liga até a cobrar e eu recebo a sua chamada sem pestanejar. A gravação é um prenúncio de que eu ouvirei a sua voz dentro de instantes. Contento-me com o pouco que resta de você. Uma sobra.

Quantas vezes eu deixei um compromisso de lado só porque você ligou e sugeriu outra coisa. Nem te contava que eu já estava pronta, a caminho de uma festa ou até mesmo de um encontro. Mas bastava eu ouvir a pergunta: vai fazer o quê hoje? E a minha resposta sempre era: "nada... E você?" Eu ciscava em suas migalhas e achava que isso era o melhor que eu podia ter.

Eu acreditei que o amor era repartido em pequeninas pílulas, que eu ingeria apenas quando você me ofertava. E fui ficando doente. Faltava remédio para a minha espera. Faltava tempero na minha vida. A luz se apagava e eu não me encontrava mais na escuridão.

Até que eu resolvi me olhar no espelho. E vi que nem estava tão gorda assim quanto você dizia. Nem tão feia. Nem tão velha. Nem tão sem graça. E nesse dia, eu resolvi sair para dançar. A dança mexia com tudo dentro de mim. Cada movimento me libertava de uma algema que me prendia a você. E depois de uma noite inteira, suada, cansada e completa, eu me sentia feliz.

Você pode até ser homeopático. Mas eu sou uma dose cavalar de existência.

sábado, 13 de março de 2010

Déjà vu


A sua presença me traz a sensação da lembrança.

Enquanto você fala, transporto-me anos-luz e viajo no tempo. Chego ao exato momento em que eu te conhecia e você me conhecia. Não éramos estranhos como agora.

Olhar para você é como redescobrir um amigo da tenra infância. Passam-se os anos, mas alguns detalhes não negam o que o tempo não pode apagar.

Para me acostumar com a sua presença terei que redesenhar o seu rosto. Terei que criar uma nova memória de você.

Tento imaginar que gosto tem o seu beijo para me lembrar que ele já existiu. O toque que já percorreu o meu corpo em outros mundos tem agora o sabor da novidade. Amanheço feliz com o nosso encontro.

Já nem parece que sua voz é tão nova assim. Pensando bem, até reconheço essa pitada de rouquidão.

Consigo reconhecer os seus passos. O seu perfume não é um cheiro novo para mim. Lembrei-me de que toma um copo de leite antes de se deitar. É mais do que familiar a forma com que mira as páginas do livro, com os óculos um pouco abaixados, escorregando do nariz. Recordo-me do som de sua risada. E do quanto eu gosto de ouvi-la. Com um pouco de esforço, sei até qual a sua flor preferida: não gosta das rosas por causa dos espinhos, mas as gérberas, cultiva-as até em pensamento.

Estranho... acho que sei a próxima palavra que vai dizer.

Tá vendo? Acertei!

Não, não se preocupe, você não está se tornando previsível, eu é que ando me lembrando demais.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Filosofia de butiquim


A vida é uma caixinha de surpresas. Peças pregadas aqui e acolá. Desejos e sonhos despencando do céu como a chuva fina de um fim de tarde. Mitos criados ao sabor das ondas de um mar que oscila noite e dia encobrindo e revelando a inconsistência do chão em que pisamos. Molduras para as telas mentais que repousam em nossos álbuns imaginários de lembranças de outrora. Sorrisos sinceros para saudar o dia que nasce e outros amarelos para despedir-se de belos dias que se vão. Dentes afiados para ajudar a mastigar os sapos que a vida nos faz engolir. Línguas afiadas para ir direto ao ponto quando se quer ferir. Tapetes que voam por sobre o infinito caminho de estrelas do nosso universo particular. Palavras que ecoam sentimentos indizíveis. Terças-feiras insólitas sob a luz da lua. Mãos que se tocam sem se encostar. Num balé sem ensaio, a vida segue não menos devagar. E não menos feliz.


terça-feira, 9 de março de 2010

(Sem título)


Pixels sobre tela
Autor desconhecido
Ano de eleição (e de Copa do Mundo)

segunda-feira, 8 de março de 2010

domingo, 7 de março de 2010

Fita branca


Encontros não são propriedade. Acontecem para que saibamos que somos feitos de doses. Precisamos nos medir para não exagerar ou faltar. O remédio só faz efeito se ministrado de forma precisa.

É como o suco que acaba de sair do liquidificador. O canudo suga o líquido pesado, embaixo. E a ânsia em sorver a espuma tira a graça do ritual. Perde-se a leveza pela pressa.

Entrar em uma nova órbita é passear por paisagens de quadros diferentes. O artista escolhe as cores e nossos olhos seguem o horizonte. Não há regras para a criação. Inspirar-se é o melhor guia. A natureza só é morta para quem não gosta de caminhar.

Os encontros não escolhem dia. Nem hora. O lugar é o cenário. Não vai haver claquetes e nem ensaio. Roteiro é improvisar.

Os textos não podem (e não devem) ser decorados. A espontaneidade é o limite. Falar é juntar palavras. E palavras nada mais são do que letras jogadas ao vento que resolveram se dar as mãos.

Nem todo domingo de chuva, chove. Nem todo corpo cansado pede pijama. Nem todo filme comprido é longo. Nem todo gesto tem intenção.

Nem sempre se chega à polpa da fruta sem enfrentar os espinhos.

Conversa gostosa tira o sono. Mata de alegria e não morre assim tão cedo. Fica impregnada, amarrada, passeia colada com a gente como uma braçadeira de capitão. Uma fita branca amarrada no braço. Ou uma vermelha no dedo para não esquecer que a vida acontece do lado de lá da janela. Quem quiser, que pule.

Minhas palavras favoritas moram no fundo do copo, perdidas na espuma. Fico me policiando para não engolir.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Madrugada minha


Na minha madrugada cabe uma infinidade de coisas. Cabe a vontade de querer. Cabem os travesseiros de dormir. Cabe o corpo quente.

A madrugada é grande. Cabem os meus livros, as minhas vertigens, os meus anseios, os meus sonhos.

Para não perder o sono, sonho. Para que não me tire o sono, sonho. Vejo você.

A cama, grande. Eu e ela nos preenchendo de espaço. Eu era apenas um.
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Éramos um. E a cama, grande, emoldurava nossos corpos. Eu e você nos preenchendo sem espaços.

Os apaixonados transformam seus dias em espera e suas noites em testemunhas. Amam-se ao comer, ao dormir e ao acordar. Amam-se a distância. Nutrem-se de paixão. Seu alimento é a certeza do encontro.

A paixão alegra, vibra, empolga.

Não quero me apaixonar por você. Não quero perder a fome, as noites de sono. Quero de você o amor dos bichos, dos livros, dos livres. Não quero emagrecer de saudade, de fogo, de sede. Quero me livrar do medo, do receio, do ciúme. Não quero me apaixonar por você. Quero de você os beijos, os lampejos da sanidade que um dia eu tive. Não quero adoecer de raiva, de ódio, de mágoa. Quero me salvar dos freios, das dores, dos desejos. Não quero mais me apaixonar. Só por você.

A paixão consome, exige, liquida.
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Éramos dois. Uma cama para corpos que se repeliam até os limites de suas bordas. Sinto-me emoldurada. A cama não passa de passe-partout de dor que transforma em poesia estanque a musa que um dia fui pra ti.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Trava-língua


O que poderia existir quando você não existia na minha vida é apenas uma possibilidade.

Tudo que passou, passamos.

Restam outros símbolos. Outros signos. Ressignificação completa do que não precisava significar.

Minha língua fala a sua língua. Ou falava.

Quando eu te vejo, você se cala. Minha língua trava a sua língua.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Eu venho sempre aqui


O sol nasce todos os dias. Redondo ou quadrado, não importa, ele não perde a hora do café nem o canto do galo. A cabeça no travesseiro ouve o despertador ao longe. Os olhos teimam.

Acordo ao meu lado todos as manhãs. Minha inseparável companhia. Desejo-me bom dia sem dizer uma só palavra. Penso em algumas frases, alguns afazeres. Agradeço e me levanto.

Escovo os dentes e me olho no espelho. Essa também sou eu. É mais uma das partes de mim. Conto-me os sonhos da noite. Assunto não me falta.

O banho leva embora o silêncio. A mão não alcança as costas. O corpo ensaboado. Falta um pedaço. Estranha a sensação de não poder tocar tudo o que há em mim.

Abro os armários. A porta do alto, só alcanço com uma cadeira. Escolho um vestido com cheiro de guardado. Tenho que trocar. Não consigo fechar os botões virados para trás.

Sinto-me única, não só.

Estou sempre aqui. Venho sempre aqui. Visito-me como se fosse a primeira, como se fosse a última vez. Invento-me. Reinvento-me. Não há fuga desta condição.

Às vezes quero me abraçar. Quero me contar os meus segredos, quero dividir os bons momentos. Quero poder estar presente para não perder nada.

Em outras, quero correr. Quero tapar os ouvidos, quero ficar surda para não ouvir minhas vozes. Quero fugir um pouco da única pessoa que não pode fugir de mim.

Só eu sei o que é ouvir meu coração bater.
Só eu sei o que é ouvir tudo aquilo que eu não quero dizer.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O fim da dor não é o fim do amor


Às vezes precisamos fechar os olhos para algumas escolhas. Determinar o que vai com a gente e o que fica para trás é saber que toda decisão implica em perder e ganhar. Escolher significa abrir mão daquilo que não foi escolhido. Encher a mão de areia é começar a contar o tempo perdido.

Dar um passo para frente, seguir um rumo diferente ou optar pelo desconhecido nem sempre parece simples de decidir. O óbvio se esconde e torna mais fácil escolher o caminho mais difícil. Ficar parado soa melhor do que ir adiante. É cômodo e oferece apenas um risco. O risco de ficarmos tão perto da média, que nossa vida deixa de ser uma onda para virar uma linha reta. Ficamos tão preocupados com as perdas, que esquecemos de olhar pros ganhos.

Não é preciso ir aos céus nem escavar, a fundo, a terra. Toda escolha tem dois lados. Ou mais. Ignorar o resultado é desconhecer o sabor da lágrima de emoção. É voltar ao momento em que a estrada se divide e afugentar a voz da intuição.

Saber pisar no freio faz as curvas serem mais suaves. Mesmo sendo curvas.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Momento Mafalda III


Constatação do meu primo de 10 anos sobre o meu constante estado de afobação por estar, mais uma vez, atrasada:

-Bom ia ser se o mundo parar e você continuar...

Sim. Era exatamente isso!

Precisava ter 10 anos para ver que a solução é simples.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Castanha de caju não é caju


O novo é sempre um momento de recriação. O outro traz sempre um universo desconhecido embrulhado em fita de cor. Tem gente que abre aos pouquinhos, pra degustar cada um dos passos que se dá com a caixa nas mãos. Tem gente que rasga o embrulho pra ver logo que cara tem aquilo tudo. Tem gente que acha a caixa sem graça demais e passa logo para o próximo pacote. Tem gente que brinca pra sempre com o presente e não se cansa de reinventar a brincadeira. Recreação.

A novidade não é um mar em cio em que não se consegue navegar. A novidade é a paz do barco aportado pra onde o mundo olha com inveja por não poder ancorar. Novidade é não viver entre altos é baixos. É trafegar entre altos e mais altos ainda com a certeza de que um novo despertar nunca será mais passado do que o ontem.

Tentar e testar são verbos que merecem ser conjugados em todos os modos. Imperativos, subjuntivos e indicativos. Eu prefiro o modo afirmativo pra acabar logo com a dúvida. Entre o sim e o não, fico com o pingo no i. A careta do limão é a certeza do azedume da fruta. O feijão no dente é a certeza de que o arroz fica melhor acompanhado.

Só dá pra gostar das coisas que são experimentadas. E de quantas coisas deixamos de gostar porque sequer tentamos saber que gosto têm?

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Inspiração


"Acabou Outubro. Passou Novembro. Dezembro se foi e não vi nenhuma manga cair do seu blog. Vai ver que os sentimentos e a criatividade vão chegar numa grande explosão de poesia em 2010. Fico debaixo da mangueira esperando a primeira manga de 2010 cair em minhas mãos, ou melhor na minha alma."
KK

Com um assopro desses na minha inspiração, sinto um sopro no coração.

KK, escrevo para você e para todas as pessoas que colhem as mangas do meu pé.

Teve mais manga do que gente em 2009. Tem mais manga do que gente em 2010!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O público é o privado de todos

Trabalho para a faculdade de Jornalismo, em dezembro de 2009

Em algumas cidades européias como Berlim, Paris e Barcelona, os metrôs e ônibus não possuem assentos preferenciais. Num primeiro momento, pode-se pensar na inadequação desse tipo de organização do espaço público em países tão evoluídos do ponto de vista das relações sociais coletivas.

O que ocorre nesse tipo de estrutura social é uma atribuição de valor inata ao comportamento do indivíduo sobre questões que transitam na esfera da coletividade. A prioridade é assunto tão sério, que chega a ser óbvio. Simplesmente, nesse modelo de relações sociais, não cabem assentos exclusivos. Cabe a cada cidadão a consciência de levantar-se ou não quando entra um idoso, um cadeirante ou uma grávida.

Essa forma de perceber o coletivo vai tão além da imposição, que o cidadão imerso nesse tipo de organização da esfera pública tira do Estado a responsabilidade e assume para a si certas questões que permeiam as relações sociais.

Roberto DaMatta em A Casa e a Rua, diz que “Na rua a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado. Limpamos ritualmente a casa e sujamos a rua sem cerimônia ou pejo… Não somos efetivamente capazes de projetar a casa na rua de modo sistemático e coerente, a não ser quando recriamos no espaço público o mesmo ambiente caseiro e familiar”.

Para o jurista e reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Júnior, a praça, a rua é do povo. Assim como as leis. Para ele, o direito não está só na lei. A partir da esfera pública, pode-se e deve dar legitimidade aos direitos do povo. “Não é o Estado que cria o direito, mas a sociedade”, diz o reitor convicto de que a rua é o lugar do acontecimento, como expressão do indivíduo e sua coletividade. Para ele, é trabalho dos juristas compreender o direito a partir de suas fontes materiais, a sociedade organizada.

José Geraldo é defensor de uma corrente alternativa de direito, o chamado Direito Achado na Rua, que legitima direitos básicos do indivíduo e é balizado pelos Direitos Humanos. Roberto Lyra Filho, pai do Direito Achado na Rua, não colheu em vida os frutos de seu ideário social, mas José Geraldo tornou-se um eloquente porta-voz da Nova Escola Jurídica Brasileira, berço do Direito Achado na Rua. Para Lyra Filho, essa forma de organização social é a “enunciação dos princípios de uma legítima organização da sociedade”.

Colocar em prática o Direito Achado na Rua significa romper com uma relação mecanicista entre Estado e sociedade, de modo que eles possam relacionar-se e não hierarquizar-se. Da mesma forma que nem todo ato legal é legítimo do ponto de vista humanitário, as relações na esfera pública não o são simplesmente por estarem contidas em âmbito público. É necessário um fundamento ético, uma base dos Direitos Humanos como critério de auferição do que possa ser considerado direito ou não. Faz-se necessário, para tanto, que se reconheça menos no Estado o papel de provedor essencial, de modo que cada indivíduo esteja ciente de seus direitos e possa engajar-se na construção de uma coletividade que contemple ideais de justiça.

Roberto Lyra Filho utiliza o epigrama hegeliano no. 3 de Marx (Marx-Engels, 1983) aplicado ao campo de estudos do Direito Achado na Rua: “Kant e Fitche buscavam o país distante,/pelo gosto de andar lá do mundo da lua,/ mas eu tento só ver, sem viés deformante/o que pude encontrar bem no meio da rua”. A rua é o lugar simbólico do acontecimento, das redes de relações sociais, é o direito do povo.

Nesse sentido, chega-se a uma análise crítica do direito estatal, privilegiando a transformação social por meio da própria ação social. É uma mediação com horizonte emancipatório que serve para superar direitos violados e empoderar o cidadão. “A legislação não é o limite, é o ponto de partida”, diz José Geraldo. Empoderar o indivíduo significa reconhecê-lo na condição de agente da verdadeira transformação social.

Certa feita, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes disse que “O direito deve ser achado na lei, e não na rua”. Questionado sobre o que significaria a frase do ministro em relação ao Direito Achado na Rua, José Geraldo disse que a frase não questiona o Direito Achado na Rua. “Não é que o direito está na lei e não na rua. Ele só quis dizer que o juiz não pode ficar a mercê da manifestação social, o que não significa que deve ignorá-la”.

Para José Geraldo, o Direito Achado na Rua nasce da dialética que se origina do pensamento de interpretação do mundo como organismo em constante transformação. A partir da esfera pública, pode-se dar legitimidade a direitos do povo. “O direito não está só na lei”, diz ele. Trazer o Direito para as ruas significa acompanhar a dinâmica da sociedade, que se reiventa em ciclos distintos ao longo de seu processo de ação e reação no decorrer da história.

O Direito Achado na Rua presume participação ativa do cidadão no sentido de buscar para si um senso de responsabilidade sobre o coletivo. Cabe à sociedade uma postura auto-crítica sobre papéis e reponsabilidades, assumindo um limite claro porém mutável, entre dever do Estado e direito individual.

Transformar essas questões em pautas para reflexão, tanto da sociedade quanto das instituições faz parte do processo conciliatório que enquadra o público e o privado em categorias socialmente próximas do ponto de vista da atuação do Direito. Trata-se de um ciclo que se retro-alimenta: O Estado abrindo as portas para maior participação popular faz com que a população tome a frente em ações participativas, propondo e entendendo cada vez mais seu espaço de atuação no âmbito das instituições e exigindo do Estado cumprimento do seu papel enquanto instituição soberana de poder.

O caso de um linchamento, por exemplo, pressupõe uma injustiça anterior. As pessoas se mobilizam de modo a resolver na esfera pública esse questão. O linchamento causa alienação, no sentido de que tira a consciência daqueles que a praticam e tomam para si a responsabilidade de punir.

Quando a alienação se faz presente

Para o reitor da UnB, questões como machismo, escravidão e patriarcalismo são “formas de alienação antigas”. Após o caso ocorrido na UniBan, quando uma garota foi rechaçada por colegas de faculdade por trajar roupas curtas, houve na Universidade de Brasília uma manifestação a favor da garota Geisy.

Alguns manifestantes tiraram a roupa em protesto e o reitor foi indagado a respeito desse posicionamento. Com muita naturalidade, ele pergunta “O nu é, em si, um ato obsceno, um atentado ao pudor?” Ele entende que não. “Não havia carga de obscenidade. Aceitei como legítima a manifestação. Havia caráter político”. Apenas pedi a eles que, quando se encontrassem com o reitor, por decoro, estivessem vestidos”.

O POVO AO PODER
“A praça! A praça é do povo
Como o céu do condor
É o antro a liberdade
Cria águias em seu calor
Senhor! pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...”
Castro Alves

sábado, 17 de outubro de 2009

Medida exata


Eu te amo.

Eu te amo mais a cada dia e quero te amar cada dia mais.

Mais.

Cada dia mais.

Quero poder te amar mais vezes. Mais dias. Mais meses.

Quero te amar numa curva crescente que nunca seja suficiente.

Quero te amar na medida exata pra nunca tirar de você aquela pontinha de dúvida que te dá vontade de fazer o meu amor crescer.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia das crianças


Bola de gude e bola de meia
Maçã-verde e maçã-do-amor
Água com açúcar e água com gás

Pipa que voa
Telefone de lata
Pão de queijo no recreio

Mãe motorista
Pai na saída da escola
Irmão mais velho com a mão no volante

Era tudo tão simples e a gente ficava preocupado em crescer logo...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Para crianças


Sortudinho

Sortudinho o mosquitinho
Que, voando pelo céu imenso
No meio de tanto ar,
Consegue achar a quem picar.

Sortudinho esse mosquitinho,
Que saiu a tempo de fugir das palmas
Que não aplaudiam seu espetáculo
De voar em círculos e zumbir bem alto.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viajar é dizer adeus


O sono que se dorme junto passa a ser a insônia da madrugada vazia. A luz da geladeira brilha mais que o sol nascente. O copo d'água, na cômoda ao lado da cama, molha a capa do livro interrompido nos primeiros capítulos.

A televisão dialoga com o sofá por horas a fio. Ninguém interrompe. Não há vozes que gritem mais alto que o silêncio ensurdecedor. Pela pia escorre o creme dental em espuma. Não faz mais sentido alimentar o encontro das escovas. Enquanto uma se descabela dia-a-dia, a outra permanece seca, incólume, sem "bom dias" nem "boa noites". Seu tempo é ontem.

O incenso perfuma as lembranças. Os livros contam as histórias mudas de uma vida sobre a prateleira. A janela deixa sair o sopro do suspiro que entrara em doses homeopáticas sobre pernas ágeis e dispostas. As paredes querem falar, mas calam-se para poupar os ouvidos de quem quer enxergar o céu estrelado.

Brotam flores por todos os lados. A semente germinou na terra fértil. Germinaram também ervas que colorem de tons de verde o chão repleto do adubo incômodo que faz desabrochar a flor e seu perfume. A rosa não tem apenas pétalas e o espinho fere além da carne.

O teto torna-se cada vez mais baixo. Aproxima-se dos sentidos que ricocheteiam como balas distraídas deixando marcas na pintura desbotada. Nesse mundo de concreto e vidro não há tapetes para pousar os pés. As redes balançam-se ao sabor do vento para consumar a união de suas fibras e tapar os buracos de seu vazio.

Os encontros furtivos, por vezes sequer notados entre as palavras que se perdiam em sua própria função de comunicar, viraram móbile sobre a cama. Giram e tocam música como se bastasse ser espírito para apossarem-se de um corpo e existir.

Dizer adeus faz parte da viagem. A volta ao ponto de partida nem sempre fica marcada no calendário.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cair pra cima


Um dia uma amiga me perguntou: E dá pra apagar o passado, como se os livros de nossas vidas aceitassem borracha?

E eu disse: Não. Não dá pra apagar o passado. Eu sou, tu és, ela (minha amiga) é. Somos todos esse passado que não se apaga.

E seu tivesse uma borracha de apagar livro de vida, eu só apagava os pontos-finais e trocava por vírgula, pra não ter que terminar as frases. Deixava o futuro se encarregar de pontuar pra mim. Porque o que eu mais quero no meu livro são travessões e reticências. E um lápis de escrever bem simples, desses que não têm borrachinha no fundo, pra não cair na tentação de esquecer alguma coisa à força.

Respeitando o passado, o tombo pode ser uma subida.

sábado, 29 de agosto de 2009

Ninguém AMA fazer faxina


Ninguém ama fazer faxina, faz porque precisa.

Assim como a casa fica empoeirada com o passar do tempo, ficamos nós com teias de aranha em nossos corpos, sem a boa e velha espanada no pó.

Tirar os medos, os receios e os traumas do passado significa entrar em contato com eles, revisitá-los. Significa sentí-los novamente. E dói retornar a certas águas passadas, a certos rios que deixamos no esquecimento, sem mover os moinhos.

Abandonar a dor é mergulhar em tudo o que a rodeia. Emergir após a pesada imersão nos torna mais seguros para seguir em frente, deixando para trás o peso do sentimento sem esquecer o aprendizado do processo.

A dor que não ensina, traumatiza. E de pequenos traumas fazemos grandes refúgios, correndo de certas experiências, certas pessoas e, por vezes, de nós mesmos. Passar por cima é adiar o encontro, é jogar a sujeira para debaixo do tapete.

A dor que carrega consigo a lição do ato ou do momento vivido leva a angústia e deixa a paz interior. Encarar o que te aflige afugenta os sentimentos indesejados e coroa a sabedoria de sermos quem somos em nossa integralidade.

Limpar a casa é lavar a alma. É arrastar os móveis e trocar tudo de lugar. É levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Parece fórmula simples, mas há de ser praticada com certa frequência. Exige comprometimento.

Uma boa faxina se faz após várias tentativas. Nas primeiras, fica um pouco do pó espalhado pelos inúmeros salões que percorremos internamente. Quando se pega o jeito, fica mais fácil varrer tudo da porta pra fora e abrigar as flores que chegam para encher a casa.

De alma limpa, o chão brilha mais.

sábado, 22 de agosto de 2009

Borboletas e casulos


Um belo dia a gente acorda e se dá conta de que nada mais é igual a antes. Alguma coisa dentro da gente já não percebe mais as coisas da mesma forma. As paredes do quarto já não são do mesmo branco, os raios de sol já não têm o mesmo brilho, nem mesmo o cheirinho de amaciante do lençol é igual.

Se percebemos o universo mudado, significa que nós mudamos nossa forma de ver as coisas, algo dentro da gente vê tudo diferente, inclusive nós mesmos.

Normalmente, precisamos de um chamado mais brusco da vida, de uma puxada pro chão para nos darmos conta de que estávamos um pouco fora do centro. Às vezes decolamos em sonhos ou mesmo em pesadelos. Voamos leves um dia e sem rumo em outro. Uma sacudida e sentimos a terra sob nossos pés. Sentimos que pertencemos a um lugar, que existe um chão para pisar.

Mudar não é fácil. Aceitar a mudança é sabedoria de poucos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um poeta sem dor é um sofredor


A inspiração do poeta vem do pulso do seu coração. Coração que pulsa tranquilo não rende as mágoas para um bom emaranhado de palavras.

O poeta vive a angústia que motiva o ofício. Não que lhe faltem sentimentos quando lhe falta a agrura. Mas nos momentos de bonança, que graça tem chorar sobre um papel, um violão ou uma tela de computador?

Na penumbra de si mesmo, surgem as sombras que contam histórias, movimentam o enredo e dão vida à bela expressão de quem sofre sozinho, mas nunca calado.

A dor pode ser de amor. Seja o excesso que consome ou a falta que desnutre. A saudade também tem sua parcela dolorida. Assim como a angústia, a solidão ou a suspeita de uma traição.

Se tiram do poeta o lápis, tiram-lhe o pulmão. Se tiram a borracha, tiram a respiração. Se tiram-lhe o papel, arrancam seu coração.

Quando as palavras o tomam pra si enquanto ele se deixa levar, estabelece-se o pacto de fidelidade. Algo de muito terno faz do poeta sereno com a possibilidade de tê-las como companheiras para sempre.

Adoecer em uma rede e saber que elas estarão ao lado, repousando sobre a mesa de canto, com suas fórmulas curadoras traz a paz que o coração do poeta não quer. Devora-as publicamente, sem o menos dos pudores, em um menu repleto de nomes.

As palavras jogam-se sobre ele. Mas ele apenas as toca quando chora por uma dor.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O MAR de um PORTO SEGURO


Era a primeira vez que pisava ali. Não sem uma certa estranheza, tateava as paredes e olhava bem onde pisava. Queria conhecer aquele lugar tão novo. Queria guardar aquela imagem em sua mente. Doía só de pensar esquecer algum detalhe daquilo que tanto a encantava.

Rodava sua saia em movimentos de uma dança que existia apenas lá, naquele lugar. Era um ritmo novo, um novo dançar. E era uma dança contagiante, daquelas que não dá vontade de parar. E quanto mais ela girava, mais giros queria dar.

Tudo era luz. Tudo era novo. Mas tudo parecia tão parte dela quanto o pequeno travesseiro que carregava desde menina. Aquela poltrona ali no canto contava ter guardado suas tardes apegadas aos livros de contos. O abajour testemunhou inúmeras de suas noites insones. O tapete tinha a poeira de seus pés.

O criado-mudo dizia o que ela escondia em gavetas desde sempre. As cortinas cantarolavam sua música favorita. O abre-e-fecha das portas dos armários entregava medos e anseios que ela jurava sequer falar em voz alta tamanha sua vontade em escondê-los.

Tudo era novo. Muito novo. Mas a poeira do tempo encarregava-se de atestar que aquilo já existia ali antes dela. Existia antes dela, mas encontrou explicação pra sua história, com ela. Por vezes, nela.

Era a primeira vez que pisava ali. Mas parecia que nunca havia existido um outro lugar no mundo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A arte do encontro


A entrega de um ao outro, pode até ser apenas um fast food, um little delivery. Dizer que vou ali e volto já, pode até funcionar, mas depois acaba ficando alguma coisa pra digerir.

E esse processo começou há muito tempo. Começou com séculos de submissão e opressão. Mulheres que serviram (e ainda servem) foram subjugadas ao poderio masculino ao longo dos séculos. A História conta a vitória dos homens, os sucessos de uma sociedade patriarcal e suas imensas glórias. Eva carregou a culpa de ter oferecido a Adão o fruto proibido. Representa, até hoje, o pecado.

Nossas antecessoras começaram a construir o templo da libertação. Galgaram muitos passos da nossa caminhada. Empilharam inúmeros tijolos. Elas. Elas e o tempo. Uniram preces, mãos e esforços. Queimaram sutiãs, foram inquiridas e queimadas. Desabrocharam em belas flores, beberam do Flower Power. E, pouco a pouco, de geração em geração, foram iniciando o processo de nos despir de culpas, medos e inquietações. E nada do que foi ou será pode interferir no que o tempo construiu com tijolos de areia fina.

Em uma longa e delicada andança, conquistamos a licença poética de nos sentirmos livres dos pudores. É uma escada de muitos lutos que se partem degrau a degrau. É um caminho de muita abnegação. E é uma caminhada de mão-dupla em que um dá e o outro recebe na mais legítima troca. Ainda mais do que isso, é a vontade de viver a sintonia dos encontros e a beleza da sinceridade.

Pode ser que a areia fina ceda à pressão do tempo como uma ampulheta apressada, mas pode ser que nós coloquemos a dose certa de água para manter firme todo e qualquer sentimento de cuidado para com o outro. Porque dar-se ao outro é dar o que há de melhor em si. É receber aquilo que o outro lhe oferece de mais próprio. É a porta de entrada para a alma alheia que passeia entre dois corpos na hora da comunhão.

Encontrar alguém, presume presença, presume estar presente. É viver o momento com consciência de estar ali, de pertencer àquele lugar. É se apropriar dos cheiros, das cores, dos detalhes que compõem aquele instante. É entender o seu papel. É entender o papel do outro. É saber coordenar todas as existências envolvidas. É ser justo consigo e com o outro. Encontrar alguém é, antes de tudo, encontrar a si mesmo.

Ser homem. Ser mulher. Os papéis sociais definem muito mais do que a própria natureza reservou para a espécie humana. Não é uma questão de saber cozinhar ou de entender de carro. Passa antes por momentos de divisão, do estabelecimento de papéis naturais, em que cada um revela seus talentos para potencializar o que há de melhor na existência do outro.

Uma sociedade verdadeiramente justa se constrói com valores justos. Constrói-se com a justiça das palavras não ditas.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

E por falar em planos: sonhos.


Quantas vezes a gente adia um plano porque coloca condições demais para ele se realizar? É o dia de morar sozinho que nunca chega porque gasta menos morar na casa dos pais. É a aula de violão que nunca acontece porque dá cansaço demais depois do trabalho. É o treino de corrida que é adiado inúmeras vezes porque não deu tempo de comprar o tênis.

E nessa brincadeira, vamos adiando coisas bem sérias e acabamos sendo negligentes com aspectos fundamentais de nossas vidas.

É muito comum ouvir por aí: "quando eu tiver isso ou aquilo, eu vou ser feliz" ou "quando eu passar no concurso, aí sim eu vou ficar completo", "quando eu terminar o mestrado, eu me caso", "quando eu tiver um bom emprego, eu vou ter filhos". Vamos adiando desde coisas bem simples até questões cruciais de nossas vidas.

Tem horas em que é essencial ter um plano, uma meta. Isso eu não discuto. Sinto até uma pequena inveja das pessoas que conseguem se organizar e cumprem com suas metas de curto e longo prazo.

Mas daí a querer condicionar as variáveis da vida a algum acontecimento que pode nem acontecer, eu já acho demais. Se o objetivo é ter mais grana pra realizar um sonho antigo e, quando seu salário aumenta, você troca de carro ou começa a comprar coisas que antes não estavam no script e o plano fica em segundo plano, algo está errado.

Porque algumas coisas não têm hora pra acontecer. E ficar controlando demais, pode fechar muitas portas. Esse papo de "depois que eu me formar, e fizer a pós em outro país, e arrumar um trampo bacana, e tiver uma casa grande, e isso, e aquilo, aí vai ser a hora de arrumar um par pra dançar". Como assim? Como dá pra escolher a hora em que alguém entra em nossas vidas?

Já é tão difícil alguém fazer uma aterrissagem triunfal na nossa pista que fica complicado definir onde, quando e como. Gente, se aparecer, apareceu. Se for no meio da faculdade, muda junto pro país da pós. Se apareceu no meio da pós, mora junto até terminar o curso e depois escolhe aonde continuar o caminho. A vida é assim. Quando as oportunidades aparecem, não dá pra brincar de uni-duni-tê. Tem que agarrar logo e seguir em frente. Porque o mundo gira rápido demais e, se a gente não acompanhar, fica pra trás.

Escolher a hora de ser feliz significa adiar para sempre um estado de espírito que deveria estar presente, que deveria existir agora. "Eu era feliz e não sabia" é figurinha que não completa álbum de bons sentimentos. Tem que ser feliz e saber. E, acima de tudo, tem que escolher ser feliz independente do emprego chato, do carro velho, do amor que não chega, das gordurinhas a mais, da saudade, da comida insossa.

Não vale sair batendo as portas atrás de nós mesmos. Abrir portas é viver mais livre. Ter mais caminhos pra seguir é poder escolher, é depender de menos pra ser mais. Mais felizes e mais completos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Manifesto de uma boba, mas não tão boa assim


"Eu não sou boazinha". Já vou logo avisando!

Quando acabamos de conhecer alguém, ficamos envoltas numa aura colorida que exterioriza tudo aquilo que nos orgulha em nós mesmos. O impacto inicial de qualquer aproximação presume a explícita demonstração de tudo aquilo que temos de melhor. Parecemos campeões de uma copa do mundo colhendo os louros do feito recém-conquistado.

Em campo, só sorrisos, animação, diversão e um monte de estripulias pra contar. Cartão vermelho pro mau-humor, pro baixo-astral, pra baixa auto-estima. Com o amor-próprio lá em cima e uma boa dose de entusiasmo dá pra impressionar qualquer um que se aproxime mais afoito, querendo ficar por perto. Sejam romances, sejam amigos, sejam os novos colegas de trabalho. Ser humano adora gente nova e fica parecendo criança, querendo impressionar.

Tá, todo mundo tem um lado bom. Aliás, ótimo. E isso é lindo mesmo: a gente expressando o que há de melhor em nós mesmas soa natural e eu diria até, necessário. Somos um poço de sentimentos nobres.

Aí, um belo dia você acorda atrasada pra uma reunião importante. Sai correndo, sem tomar banho nem café da manhã. Chega atrasadíssima e ainda esquece o material da apresentação. Seu chefe te demite. O carro dos sonhos, financiado, vira pesadelo; a viagem de férias com os amigos, vai pro saco. Fica difícil arrumar trabalho. Chegam as contas, o cartão pra pagar e um novo emprego não parece uma possibilidade assim tão simples de aparecer.

Ou, você leva um pé na bunda. Ou tem uma briga no trânsito. Ou vê sua colega assumir o cargo que você tanto queria. Ou o cara de quem você tá a fim fica com a mulher que você mais abomina no mundo. Ou você é assaltada. Ou alguém puxa seu tapete no trabalho. Ou você perde uma competição. Ou você perde uma ação judicial. Ou seu carro quebra. Ou a gasolina acaba. Ou faltou gás. Ou a faxineira não veio. Ou o leite azedou. Ou alguém devorou a última fatia do bolo que você tinha guardado na geladeira pra comer depois do almoço. Ou seu espelho quebrou. Ou a bateria do seu celular acabou. Ou seu cabelo estava num dia ruim. Ou aquele financiamento tão esperado não saiu. Ou esgotaram os ingressos pro show do seu cantor preferido. Ou você encontrou alguém que não queria encontrar. Ou entrou no cheque especial novamente. Ou alguém próximo fica doente. Ou um parente querido morre. Ou seu cachorro foge. Ou, simplesmente, um dia você acorda mais puta da vida e acaba cuspindo pregos ao invés de falar bom dia.

E aí, afloram em você sentimentos não tão nobres assim: raiva, inveja, mesquinhez, egoísmo, vingança, ciúme, ódio, ansiedade, contrariedade, decepção, desilusão, insegurança, medo, rejeição, sofrimento, ressentimento, cisma, dor, frustração, entre outros dessa mesma estirpe. E você quer guardar tudo numa caixinha, pra segurar a onda de ser uma pessoa legal e não mostrar pra ninguém esse lado que você quer esconder até de si mesma.

Ser boazinha parece o modelo mais apropriado para a convivência em sociedade. Sempre disposta, sempre ajudando alguém, sempre de bom-humor. Mil atividades pra fazer, a vida pessoal, a vida profissional, a casa pra administrar. E ainda tem a academia, a aula de francês, o trabalho voluntário. Será que é possível ser a super-mulher o tempo inteiro? Ser boazinha é viver amarrada, trancafiada numa prisão em que as grades são palavras gentis ditas quase maquinalmente.

Quando nos damos conta de que não somos tão boazinhas assim, assumimos com mais propriedade o grito que demos, a bronca desnecessária no estagiário, a acusação indevida, a indiscrição vergonhosa. Fica mais fácil pedir desculpas quando a gente sabe que carrega essa porção "maléfica" dentro da gente. Porque colocar os demônios pra fora é assumir que eles existem. Assumindo que eles existem, fica mais fácil controlá-los. Controlando-os, fica mais fácil compreender quem somos em nossa vastidão.

Esconder o que há de cinza em nós é esconder um pedaço de nós. Somos inteiros apenas quando somamos todas as nossas partes. Guardar o que há de ruim numa caixa fechada, consome energia, força e muita lucidez. Pandora abriu a caixa que revelou ao mundo os males da existência humana. Nós devemos abrir nossas caixas para revelar a quem nos rodeia tudo aquilo que nos pertence.

A entrega só é completa quando envolve todos os compartimentos. Somos tudo de lindo e de feio que temos. Somos a nossa história de venturas e desventuras. Aceitar-se é o primeiro passo para ser aceito. Ser integral é o único passo para ser amado verdadeiramente. Não se reduza aos seus erros nem faça isso com quem quer que seja. Todos erramos e a magia da troca humana está em reconhecer o lado bom de tudo. Valorizar o que há de melhor em cada pessoa é equilíbrio dos maiores. Colocar-se no lugar de quem erra é não julgar.

Vitimizar-se é o caminho mais curto. Compreender seu papel no jogo do encontro abre asas e sentidos. Ouvir o que há de mais íntimo do outro não é sujar os ouvidos, é retirar a cera e deixar entrar em si a verdade do existir. É não ser apenas ouvidos, mas ser poros, prantos e sorrisos.

O encanto é a senha para a aproximação. Nos apaixonamos em níveis muito diferentes e o foco de nossa paixão não precisa ser, necessariamente, alguém com quem desejamos trocar intimidades e estabelecer uma relação amorosa. Nós nos apaixonamos quando queremos ser amigos daquela pessoa interessante. Quando disputamos a atenção daquela tia incrível que tem o dom de aconselhar. Quando nos identificamos prontamente com o avô de uma amiga querida e passamos horas a ouvir seus causos da juventude. Estar apaixonado é estar encantado por alguém.

Só que nem sempre, a paixão apresenta-se de modo a contemplar tudo o que somos. Apaixonar-se é pouco quando despreza parte do outro. Apaixonar-se pela sensação de estar apaixonado é sentimento dos prepotentes, que julgam-se melhores quando não admitem a miséria alheia. Querem o sorriso constante, a alegria infinita mesmo que não possam oferecer isso de volta. Querem a comédia do outro e desprezam a existência de sua própria tragédia interior.

Ser boazinha é ser boa, antes de tudo, com nós mesmas, assumindo-nos, entregando-nos e aceitando-nos. Feche os olhos e mire-se por dentro. O que você vê?

domingo, 28 de junho de 2009

La vie en rose


Adoro estar perto das pessoas que estão longe. Ainda mais das que moram no coração com espaços especiais. Daquelas que se fazem presentes de diversas formas no nosso dia-a-dia. É lindo ver uma foto antiga, do tempo do colégio e abraçar a criança que se fez adulta junto comigo. É lindo poder ouvir tão claramente a voz do amigo que atravessou oceanos e ainda tem a mesma risada quando ouve a repetida história de quando nós nos conhecemos.

Juntar os traços do desenho infantil é como montar o quebra-cabeça dos bilhetes trocados em sala de aula. É escutar a voz da professora brigando ou da mãe chamando pro banho e sair correndo das duas ameaçadoras mulheres que tinham tamanho de gente grande.

Aproximar-se do passado é uma forma de reconhecer que somos um pouquinho de cada árvore em que subimos, de cada piada que nos foi contada, cada conversa que tivemos, cada pessoa que apareceu em nossos caminhos. Aproximar quem está longe é uma forma de reconhecer que a maturidade nos traz a imensa capacidade de transcender as distâncias físicas em prol da união profunda do amor à prova de tempo e espaço.

O nosso passado corre em nossas veias. Assim como correm nossas escolhas. Não precisa ser dito aquilo que já está dentro de nós. Somos o resultado imediato de cada passo que damos e é perda de tempo sofrer pelas possibilidades não realizadas. Tornamo-nos aquilo que falamos, escutamos, escolhemos. Não há sequer um minuto pra trás que poderia ter sido diferente, porque já não mais estaríamos aqui, com este mesmo olhar, com esta mesma forma de interpretar todo o infinito que nos envolve.

Se pudermos agradecer por cada angústia, cada ruptura, cada tropeço, cada machucado na perna, cada cicatriz desenhada em nossa pele, cada lágrima que escorreu por nossos rostos, estaremos agradecendo, simplesmente, por termos nos tornado aquilo que somos agora, neste exato momento em que você e eu construímos uma tela mental de nossas experiências vividas até um segundo, um minuto, um dia, um mês, um ano atrás.

Porque aceitar o presente é o melhor presente que podemos dar a nós mesmos. Senão um dia olhamos pra trás e fica a indagação do quanto fomos felizes sem saber. Pois digo e repito: sou feliz e sei muito bem disso. Tudo o que meu passado representa é uma nostalgia tranquila de dias que se foram pra que eu pudesse chegar nesse momento e viver a plenitude do agora. Porque um dia o tempo passa e não cabe ser vítima da ignorância sobre a bonança do presente. Chorar pelo que se foi será sempre o próximo passo de quem não aceita o ser tal e qual o é.

Je m'apelle Thaís et je vois la vie en rose.