domingo, 28 de fevereiro de 2010

Madrugada minha


Na minha madrugada cabe uma infinidade de coisas. Cabe a vontade de querer. Cabem os travesseiros de dormir. Cabe o corpo quente.

A madrugada é grande. Cabem os meus livros, as minhas vertigens, os meus anseios, os meus sonhos.

Para não perder o sono, sonho. Para que não me tire o sono, sonho. Vejo você.

A cama, grande. Eu e ela nos preenchendo de espaço. Eu era apenas um.
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Éramos um. E a cama, grande, emoldurava nossos corpos. Eu e você nos preenchendo sem espaços.

Os apaixonados transformam seus dias em espera e suas noites em testemunhas. Amam-se ao comer, ao dormir e ao acordar. Amam-se a distância. Nutrem-se de paixão. Seu alimento é a certeza do encontro.

A paixão alegra, vibra, empolga.

Não quero me apaixonar por você. Não quero perder a fome, as noites de sono. Quero de você o amor dos bichos, dos livros, dos livres. Não quero emagrecer de saudade, de fogo, de sede. Quero me livrar do medo, do receio, do ciúme. Não quero me apaixonar por você. Quero de você os beijos, os lampejos da sanidade que um dia eu tive. Não quero adoecer de raiva, de ódio, de mágoa. Quero me salvar dos freios, das dores, dos desejos. Não quero mais me apaixonar. Só por você.

A paixão consome, exige, liquida.
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Éramos dois. Uma cama para corpos que se repeliam até os limites de suas bordas. Sinto-me emoldurada. A cama não passa de passe-partout de dor que transforma em poesia estanque a musa que um dia fui pra ti.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Trava-língua


O que poderia existir quando você não existia na minha vida é apenas uma possibilidade.

Tudo que passou, passamos.

Restam outros símbolos. Outros signos. Ressignificação completa do que não precisava significar.

Minha língua fala a sua língua. Ou falava.

Quando eu te vejo, você se cala. Minha língua trava a sua língua.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Eu venho sempre aqui


O sol nasce todos os dias. Redondo ou quadrado, não importa, ele não perde a hora do café nem o canto do galo. A cabeça no travesseiro ouve o despertador ao longe. Os olhos teimam.

Acordo ao meu lado todos as manhãs. Minha inseparável companhia. Desejo-me bom dia sem dizer uma só palavra. Penso em algumas frases, alguns afazeres. Agradeço e me levanto.

Escovo os dentes e me olho no espelho. Essa também sou eu. É mais uma das partes de mim. Conto-me os sonhos da noite. Assunto não me falta.

O banho leva embora o silêncio. A mão não alcança as costas. O corpo ensaboado. Falta um pedaço. Estranha a sensação de não poder tocar tudo o que há em mim.

Abro os armários. A porta do alto, só alcanço com uma cadeira. Escolho um vestido com cheiro de guardado. Tenho que trocar. Não consigo fechar os botões virados para trás.

Sinto-me única, não só.

Estou sempre aqui. Venho sempre aqui. Visito-me como se fosse a primeira, como se fosse a última vez. Invento-me. Reinvento-me. Não há fuga desta condição.

Às vezes quero me abraçar. Quero me contar os meus segredos, quero dividir os bons momentos. Quero poder estar presente para não perder nada.

Em outras, quero correr. Quero tapar os ouvidos, quero ficar surda para não ouvir minhas vozes. Quero fugir um pouco da única pessoa que não pode fugir de mim.

Só eu sei o que é ouvir meu coração bater.
Só eu sei o que é ouvir tudo aquilo que eu não quero dizer.