sábado, 17 de outubro de 2009

Medida exata


Eu te amo.

Eu te amo mais a cada dia e quero te amar cada dia mais.

Mais.

Cada dia mais.

Quero poder te amar mais vezes. Mais dias. Mais meses.

Quero te amar numa curva crescente que nunca seja suficiente.

Quero te amar na medida exata pra nunca tirar de você aquela pontinha de dúvida que te dá vontade de fazer o meu amor crescer.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia das crianças


Bola de gude e bola de meia
Maçã-verde e maçã-do-amor
Água com açúcar e água com gás

Pipa que voa
Telefone de lata
Pão de queijo no recreio

Mãe motorista
Pai na saída da escola
Irmão mais velho com a mão no volante

Era tudo tão simples e a gente ficava preocupado em crescer logo...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Para crianças


Sortudinho

Sortudinho o mosquitinho
Que, voando pelo céu imenso
No meio de tanto ar,
Consegue achar a quem picar.

Sortudinho esse mosquitinho,
Que saiu a tempo de fugir das palmas
Que não aplaudiam seu espetáculo
De voar em círculos e zumbir bem alto.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Viajar é dizer adeus


O sono que se dorme junto passa a ser a insônia da madrugada vazia. A luz da geladeira brilha mais que o sol nascente. O copo d'água, na cômoda ao lado da cama, molha a capa do livro interrompido nos primeiros capítulos.

A televisão dialoga com o sofá por horas a fio. Ninguém interrompe. Não há vozes que gritem mais alto que o silêncio ensurdecedor. Pela pia escorre o creme dental em espuma. Não faz mais sentido alimentar o encontro das escovas. Enquanto uma se descabela dia-a-dia, a outra permanece seca, incólume, sem "bom dias" nem "boa noites". Seu tempo é ontem.

O incenso perfuma as lembranças. Os livros contam as histórias mudas de uma vida sobre a prateleira. A janela deixa sair o sopro do suspiro que entrara em doses homeopáticas sobre pernas ágeis e dispostas. As paredes querem falar, mas calam-se para poupar os ouvidos de quem quer enxergar o céu estrelado.

Brotam flores por todos os lados. A semente germinou na terra fértil. Germinaram também ervas que colorem de tons de verde o chão repleto do adubo incômodo que faz desabrochar a flor e seu perfume. A rosa não tem apenas pétalas e o espinho fere além da carne.

O teto torna-se cada vez mais baixo. Aproxima-se dos sentidos que ricocheteiam como balas distraídas deixando marcas na pintura desbotada. Nesse mundo de concreto e vidro não há tapetes para pousar os pés. As redes balançam-se ao sabor do vento para consumar a união de suas fibras e tapar os buracos de seu vazio.

Os encontros furtivos, por vezes sequer notados entre as palavras que se perdiam em sua própria função de comunicar, viraram móbile sobre a cama. Giram e tocam música como se bastasse ser espírito para apossarem-se de um corpo e existir.

Dizer adeus faz parte da viagem. A volta ao ponto de partida nem sempre fica marcada no calendário.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cair pra cima


Um dia uma amiga me perguntou: E dá pra apagar o passado, como se os livros de nossas vidas aceitassem borracha?

E eu disse: Não. Não dá pra apagar o passado. Eu sou, tu és, ela (minha amiga) é. Somos todos esse passado que não se apaga.

E seu tivesse uma borracha de apagar livro de vida, eu só apagava os pontos-finais e trocava por vírgula, pra não ter que terminar as frases. Deixava o futuro se encarregar de pontuar pra mim. Porque o que eu mais quero no meu livro são travessões e reticências. E um lápis de escrever bem simples, desses que não têm borrachinha no fundo, pra não cair na tentação de esquecer alguma coisa à força.

Respeitando o passado, o tombo pode ser uma subida.

sábado, 29 de agosto de 2009

Ninguém AMA fazer faxina


Ninguém ama fazer faxina, faz porque precisa.

Assim como a casa fica empoeirada com o passar do tempo, ficamos nós com teias de aranha em nossos corpos, sem a boa e velha espanada no pó.

Tirar os medos, os receios e os traumas do passado significa entrar em contato com eles, revisitá-los. Significa sentí-los novamente. E dói retornar a certas águas passadas, a certos rios que deixamos no esquecimento, sem mover os moinhos.

Abandonar a dor é mergulhar em tudo o que a rodeia. Emergir após a pesada imersão nos torna mais seguros para seguir em frente, deixando para trás o peso do sentimento sem esquecer o aprendizado do processo.

A dor que não ensina, traumatiza. E de pequenos traumas fazemos grandes refúgios, correndo de certas experiências, certas pessoas e, por vezes, de nós mesmos. Passar por cima é adiar o encontro, é jogar a sujeira para debaixo do tapete.

A dor que carrega consigo a lição do ato ou do momento vivido leva a angústia e deixa a paz interior. Encarar o que te aflige afugenta os sentimentos indesejados e coroa a sabedoria de sermos quem somos em nossa integralidade.

Limpar a casa é lavar a alma. É arrastar os móveis e trocar tudo de lugar. É levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Parece fórmula simples, mas há de ser praticada com certa frequência. Exige comprometimento.

Uma boa faxina se faz após várias tentativas. Nas primeiras, fica um pouco do pó espalhado pelos inúmeros salões que percorremos internamente. Quando se pega o jeito, fica mais fácil varrer tudo da porta pra fora e abrigar as flores que chegam para encher a casa.

De alma limpa, o chão brilha mais.

sábado, 22 de agosto de 2009

Borboletas e casulos


Um belo dia a gente acorda e se dá conta de que nada mais é igual a antes. Alguma coisa dentro da gente já não percebe mais as coisas da mesma forma. As paredes do quarto já não são do mesmo branco, os raios de sol já não têm o mesmo brilho, nem mesmo o cheirinho de amaciante do lençol é igual.

Se percebemos o universo mudado, significa que nós mudamos nossa forma de ver as coisas, algo dentro da gente vê tudo diferente, inclusive nós mesmos.

Normalmente, precisamos de um chamado mais brusco da vida, de uma puxada pro chão para nos darmos conta de que estávamos um pouco fora do centro. Às vezes decolamos em sonhos ou mesmo em pesadelos. Voamos leves um dia e sem rumo em outro. Uma sacudida e sentimos a terra sob nossos pés. Sentimos que pertencemos a um lugar, que existe um chão para pisar.

Mudar não é fácil. Aceitar a mudança é sabedoria de poucos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um poeta sem dor é um sofredor


A inspiração do poeta vem do pulso do seu coração. Coração que pulsa tranquilo não rende as mágoas para um bom emaranhado de palavras.

O poeta vive a angústia que motiva o ofício. Não que lhe faltem sentimentos quando lhe falta a agrura. Mas nos momentos de bonança, que graça tem chorar sobre um papel, um violão ou uma tela de computador?

Na penumbra de si mesmo, surgem as sombras que contam histórias, movimentam o enredo e dão vida à bela expressão de quem sofre sozinho, mas nunca calado.

A dor pode ser de amor. Seja o excesso que consome ou a falta que desnutre. A saudade também tem sua parcela dolorida. Assim como a angústia, a solidão ou a suspeita de uma traição.

Se tiram do poeta o lápis, tiram-lhe o pulmão. Se tiram a borracha, tiram a respiração. Se tiram-lhe o papel, arrancam seu coração.

Quando as palavras o tomam pra si enquanto ele se deixa levar, estabelece-se o pacto de fidelidade. Algo de muito terno faz do poeta sereno com a possibilidade de tê-las como companheiras para sempre.

Adoecer em uma rede e saber que elas estarão ao lado, repousando sobre a mesa de canto, com suas fórmulas curadoras traz a paz que o coração do poeta não quer. Devora-as publicamente, sem o menos dos pudores, em um menu repleto de nomes.

As palavras jogam-se sobre ele. Mas ele apenas as toca quando chora por uma dor.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O MAR de um PORTO SEGURO


Era a primeira vez que pisava ali. Não sem uma certa estranheza, tateava as paredes e olhava bem onde pisava. Queria conhecer aquele lugar tão novo. Queria guardar aquela imagem em sua mente. Doía só de pensar esquecer algum detalhe daquilo que tanto a encantava.

Rodava sua saia em movimentos de uma dança que existia apenas lá, naquele lugar. Era um ritmo novo, um novo dançar. E era uma dança contagiante, daquelas que não dá vontade de parar. E quanto mais ela girava, mais giros queria dar.

Tudo era luz. Tudo era novo. Mas tudo parecia tão parte dela quanto o pequeno travesseiro que carregava desde menina. Aquela poltrona ali no canto contava ter guardado suas tardes apegadas aos livros de contos. O abajour testemunhou inúmeras de suas noites insones. O tapete tinha a poeira de seus pés.

O criado-mudo dizia o que ela escondia em gavetas desde sempre. As cortinas cantarolavam sua música favorita. O abre-e-fecha das portas dos armários entregava medos e anseios que ela jurava sequer falar em voz alta tamanha sua vontade em escondê-los.

Tudo era novo. Muito novo. Mas a poeira do tempo encarregava-se de atestar que aquilo já existia ali antes dela. Existia antes dela, mas encontrou explicação pra sua história, com ela. Por vezes, nela.

Era a primeira vez que pisava ali. Mas parecia que nunca havia existido um outro lugar no mundo.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A arte do encontro


A entrega de um ao outro, pode até ser apenas um fast food, um little delivery. Dizer que vou ali e volto já, pode até funcionar, mas depois acaba ficando alguma coisa pra digerir.

E esse processo começou há muito tempo. Começou com séculos de submissão e opressão. Mulheres que serviram (e ainda servem) foram subjugadas ao poderio masculino ao longo dos séculos. A História conta a vitória dos homens, os sucessos de uma sociedade patriarcal e suas imensas glórias. Eva carregou a culpa de ter oferecido a Adão o fruto proibido. Representa, até hoje, o pecado.

Nossas antecessoras começaram a construir o templo da libertação. Galgaram muitos passos da nossa caminhada. Empilharam inúmeros tijolos. Elas. Elas e o tempo. Uniram preces, mãos e esforços. Queimaram sutiãs, foram inquiridas e queimadas. Desabrocharam em belas flores, beberam do Flower Power. E, pouco a pouco, de geração em geração, foram iniciando o processo de nos despir de culpas, medos e inquietações. E nada do que foi ou será pode interferir no que o tempo construiu com tijolos de areia fina.

Em uma longa e delicada andança, conquistamos a licença poética de nos sentirmos livres dos pudores. É uma escada de muitos lutos que se partem degrau a degrau. É um caminho de muita abnegação. E é uma caminhada de mão-dupla em que um dá e o outro recebe na mais legítima troca. Ainda mais do que isso, é a vontade de viver a sintonia dos encontros e a beleza da sinceridade.

Pode ser que a areia fina ceda à pressão do tempo como uma ampulheta apressada, mas pode ser que nós coloquemos a dose certa de água para manter firme todo e qualquer sentimento de cuidado para com o outro. Porque dar-se ao outro é dar o que há de melhor em si. É receber aquilo que o outro lhe oferece de mais próprio. É a porta de entrada para a alma alheia que passeia entre dois corpos na hora da comunhão.

Encontrar alguém, presume presença, presume estar presente. É viver o momento com consciência de estar ali, de pertencer àquele lugar. É se apropriar dos cheiros, das cores, dos detalhes que compõem aquele instante. É entender o seu papel. É entender o papel do outro. É saber coordenar todas as existências envolvidas. É ser justo consigo e com o outro. Encontrar alguém é, antes de tudo, encontrar a si mesmo.

Ser homem. Ser mulher. Os papéis sociais definem muito mais do que a própria natureza reservou para a espécie humana. Não é uma questão de saber cozinhar ou de entender de carro. Passa antes por momentos de divisão, do estabelecimento de papéis naturais, em que cada um revela seus talentos para potencializar o que há de melhor na existência do outro.

Uma sociedade verdadeiramente justa se constrói com valores justos. Constrói-se com a justiça das palavras não ditas.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

E por falar em planos: sonhos.


Quantas vezes a gente adia um plano porque coloca condições demais para ele se realizar? É o dia de morar sozinho que nunca chega porque gasta menos morar na casa dos pais. É a aula de violão que nunca acontece porque dá cansaço demais depois do trabalho. É o treino de corrida que é adiado inúmeras vezes porque não deu tempo de comprar o tênis.

E nessa brincadeira, vamos adiando coisas bem sérias e acabamos sendo negligentes com aspectos fundamentais de nossas vidas.

É muito comum ouvir por aí: "quando eu tiver isso ou aquilo, eu vou ser feliz" ou "quando eu passar no concurso, aí sim eu vou ficar completo", "quando eu terminar o mestrado, eu me caso", "quando eu tiver um bom emprego, eu vou ter filhos". Vamos adiando desde coisas bem simples até questões cruciais de nossas vidas.

Tem horas em que é essencial ter um plano, uma meta. Isso eu não discuto. Sinto até uma pequena inveja das pessoas que conseguem se organizar e cumprem com suas metas de curto e longo prazo.

Mas daí a querer condicionar as variáveis da vida a algum acontecimento que pode nem acontecer, eu já acho demais. Se o objetivo é ter mais grana pra realizar um sonho antigo e, quando seu salário aumenta, você troca de carro ou começa a comprar coisas que antes não estavam no script e o plano fica em segundo plano, algo está errado.

Porque algumas coisas não têm hora pra acontecer. E ficar controlando demais, pode fechar muitas portas. Esse papo de "depois que eu me formar, e fizer a pós em outro país, e arrumar um trampo bacana, e tiver uma casa grande, e isso, e aquilo, aí vai ser a hora de arrumar um par pra dançar". Como assim? Como dá pra escolher a hora em que alguém entra em nossas vidas?

Já é tão difícil alguém fazer uma aterrissagem triunfal na nossa pista que fica complicado definir onde, quando e como. Gente, se aparecer, apareceu. Se for no meio da faculdade, muda junto pro país da pós. Se apareceu no meio da pós, mora junto até terminar o curso e depois escolhe aonde continuar o caminho. A vida é assim. Quando as oportunidades aparecem, não dá pra brincar de uni-duni-tê. Tem que agarrar logo e seguir em frente. Porque o mundo gira rápido demais e, se a gente não acompanhar, fica pra trás.

Escolher a hora de ser feliz significa adiar para sempre um estado de espírito que deveria estar presente, que deveria existir agora. "Eu era feliz e não sabia" é figurinha que não completa álbum de bons sentimentos. Tem que ser feliz e saber. E, acima de tudo, tem que escolher ser feliz independente do emprego chato, do carro velho, do amor que não chega, das gordurinhas a mais, da saudade, da comida insossa.

Não vale sair batendo as portas atrás de nós mesmos. Abrir portas é viver mais livre. Ter mais caminhos pra seguir é poder escolher, é depender de menos pra ser mais. Mais felizes e mais completos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Manifesto de uma boba, mas não tão boa assim


"Eu não sou boazinha". Já vou logo avisando!

Quando acabamos de conhecer alguém, ficamos envoltas numa aura colorida que exterioriza tudo aquilo que nos orgulha em nós mesmos. O impacto inicial de qualquer aproximação presume a explícita demonstração de tudo aquilo que temos de melhor. Parecemos campeões de uma copa do mundo colhendo os louros do feito recém-conquistado.

Em campo, só sorrisos, animação, diversão e um monte de estripulias pra contar. Cartão vermelho pro mau-humor, pro baixo-astral, pra baixa auto-estima. Com o amor-próprio lá em cima e uma boa dose de entusiasmo dá pra impressionar qualquer um que se aproxime mais afoito, querendo ficar por perto. Sejam romances, sejam amigos, sejam os novos colegas de trabalho. Ser humano adora gente nova e fica parecendo criança, querendo impressionar.

Tá, todo mundo tem um lado bom. Aliás, ótimo. E isso é lindo mesmo: a gente expressando o que há de melhor em nós mesmas soa natural e eu diria até, necessário. Somos um poço de sentimentos nobres.

Aí, um belo dia você acorda atrasada pra uma reunião importante. Sai correndo, sem tomar banho nem café da manhã. Chega atrasadíssima e ainda esquece o material da apresentação. Seu chefe te demite. O carro dos sonhos, financiado, vira pesadelo; a viagem de férias com os amigos, vai pro saco. Fica difícil arrumar trabalho. Chegam as contas, o cartão pra pagar e um novo emprego não parece uma possibilidade assim tão simples de aparecer.

Ou, você leva um pé na bunda. Ou tem uma briga no trânsito. Ou vê sua colega assumir o cargo que você tanto queria. Ou o cara de quem você tá a fim fica com a mulher que você mais abomina no mundo. Ou você é assaltada. Ou alguém puxa seu tapete no trabalho. Ou você perde uma competição. Ou você perde uma ação judicial. Ou seu carro quebra. Ou a gasolina acaba. Ou faltou gás. Ou a faxineira não veio. Ou o leite azedou. Ou alguém devorou a última fatia do bolo que você tinha guardado na geladeira pra comer depois do almoço. Ou seu espelho quebrou. Ou a bateria do seu celular acabou. Ou seu cabelo estava num dia ruim. Ou aquele financiamento tão esperado não saiu. Ou esgotaram os ingressos pro show do seu cantor preferido. Ou você encontrou alguém que não queria encontrar. Ou entrou no cheque especial novamente. Ou alguém próximo fica doente. Ou um parente querido morre. Ou seu cachorro foge. Ou, simplesmente, um dia você acorda mais puta da vida e acaba cuspindo pregos ao invés de falar bom dia.

E aí, afloram em você sentimentos não tão nobres assim: raiva, inveja, mesquinhez, egoísmo, vingança, ciúme, ódio, ansiedade, contrariedade, decepção, desilusão, insegurança, medo, rejeição, sofrimento, ressentimento, cisma, dor, frustração, entre outros dessa mesma estirpe. E você quer guardar tudo numa caixinha, pra segurar a onda de ser uma pessoa legal e não mostrar pra ninguém esse lado que você quer esconder até de si mesma.

Ser boazinha parece o modelo mais apropriado para a convivência em sociedade. Sempre disposta, sempre ajudando alguém, sempre de bom-humor. Mil atividades pra fazer, a vida pessoal, a vida profissional, a casa pra administrar. E ainda tem a academia, a aula de francês, o trabalho voluntário. Será que é possível ser a super-mulher o tempo inteiro? Ser boazinha é viver amarrada, trancafiada numa prisão em que as grades são palavras gentis ditas quase maquinalmente.

Quando nos damos conta de que não somos tão boazinhas assim, assumimos com mais propriedade o grito que demos, a bronca desnecessária no estagiário, a acusação indevida, a indiscrição vergonhosa. Fica mais fácil pedir desculpas quando a gente sabe que carrega essa porção "maléfica" dentro da gente. Porque colocar os demônios pra fora é assumir que eles existem. Assumindo que eles existem, fica mais fácil controlá-los. Controlando-os, fica mais fácil compreender quem somos em nossa vastidão.

Esconder o que há de cinza em nós é esconder um pedaço de nós. Somos inteiros apenas quando somamos todas as nossas partes. Guardar o que há de ruim numa caixa fechada, consome energia, força e muita lucidez. Pandora abriu a caixa que revelou ao mundo os males da existência humana. Nós devemos abrir nossas caixas para revelar a quem nos rodeia tudo aquilo que nos pertence.

A entrega só é completa quando envolve todos os compartimentos. Somos tudo de lindo e de feio que temos. Somos a nossa história de venturas e desventuras. Aceitar-se é o primeiro passo para ser aceito. Ser integral é o único passo para ser amado verdadeiramente. Não se reduza aos seus erros nem faça isso com quem quer que seja. Todos erramos e a magia da troca humana está em reconhecer o lado bom de tudo. Valorizar o que há de melhor em cada pessoa é equilíbrio dos maiores. Colocar-se no lugar de quem erra é não julgar.

Vitimizar-se é o caminho mais curto. Compreender seu papel no jogo do encontro abre asas e sentidos. Ouvir o que há de mais íntimo do outro não é sujar os ouvidos, é retirar a cera e deixar entrar em si a verdade do existir. É não ser apenas ouvidos, mas ser poros, prantos e sorrisos.

O encanto é a senha para a aproximação. Nos apaixonamos em níveis muito diferentes e o foco de nossa paixão não precisa ser, necessariamente, alguém com quem desejamos trocar intimidades e estabelecer uma relação amorosa. Nós nos apaixonamos quando queremos ser amigos daquela pessoa interessante. Quando disputamos a atenção daquela tia incrível que tem o dom de aconselhar. Quando nos identificamos prontamente com o avô de uma amiga querida e passamos horas a ouvir seus causos da juventude. Estar apaixonado é estar encantado por alguém.

Só que nem sempre, a paixão apresenta-se de modo a contemplar tudo o que somos. Apaixonar-se é pouco quando despreza parte do outro. Apaixonar-se pela sensação de estar apaixonado é sentimento dos prepotentes, que julgam-se melhores quando não admitem a miséria alheia. Querem o sorriso constante, a alegria infinita mesmo que não possam oferecer isso de volta. Querem a comédia do outro e desprezam a existência de sua própria tragédia interior.

Ser boazinha é ser boa, antes de tudo, com nós mesmas, assumindo-nos, entregando-nos e aceitando-nos. Feche os olhos e mire-se por dentro. O que você vê?

domingo, 28 de junho de 2009

La vie en rose


Adoro estar perto das pessoas que estão longe. Ainda mais das que moram no coração com espaços especiais. Daquelas que se fazem presentes de diversas formas no nosso dia-a-dia. É lindo ver uma foto antiga, do tempo do colégio e abraçar a criança que se fez adulta junto comigo. É lindo poder ouvir tão claramente a voz do amigo que atravessou oceanos e ainda tem a mesma risada quando ouve a repetida história de quando nós nos conhecemos.

Juntar os traços do desenho infantil é como montar o quebra-cabeça dos bilhetes trocados em sala de aula. É escutar a voz da professora brigando ou da mãe chamando pro banho e sair correndo das duas ameaçadoras mulheres que tinham tamanho de gente grande.

Aproximar-se do passado é uma forma de reconhecer que somos um pouquinho de cada árvore em que subimos, de cada piada que nos foi contada, cada conversa que tivemos, cada pessoa que apareceu em nossos caminhos. Aproximar quem está longe é uma forma de reconhecer que a maturidade nos traz a imensa capacidade de transcender as distâncias físicas em prol da união profunda do amor à prova de tempo e espaço.

O nosso passado corre em nossas veias. Assim como correm nossas escolhas. Não precisa ser dito aquilo que já está dentro de nós. Somos o resultado imediato de cada passo que damos e é perda de tempo sofrer pelas possibilidades não realizadas. Tornamo-nos aquilo que falamos, escutamos, escolhemos. Não há sequer um minuto pra trás que poderia ter sido diferente, porque já não mais estaríamos aqui, com este mesmo olhar, com esta mesma forma de interpretar todo o infinito que nos envolve.

Se pudermos agradecer por cada angústia, cada ruptura, cada tropeço, cada machucado na perna, cada cicatriz desenhada em nossa pele, cada lágrima que escorreu por nossos rostos, estaremos agradecendo, simplesmente, por termos nos tornado aquilo que somos agora, neste exato momento em que você e eu construímos uma tela mental de nossas experiências vividas até um segundo, um minuto, um dia, um mês, um ano atrás.

Porque aceitar o presente é o melhor presente que podemos dar a nós mesmos. Senão um dia olhamos pra trás e fica a indagação do quanto fomos felizes sem saber. Pois digo e repito: sou feliz e sei muito bem disso. Tudo o que meu passado representa é uma nostalgia tranquila de dias que se foram pra que eu pudesse chegar nesse momento e viver a plenitude do agora. Porque um dia o tempo passa e não cabe ser vítima da ignorância sobre a bonança do presente. Chorar pelo que se foi será sempre o próximo passo de quem não aceita o ser tal e qual o é.

Je m'apelle Thaís et je vois la vie en rose.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Porque sorrisos não dão em árvore" ou "A insustentável leveza do sorriso"


Quando andares pelos campos, busque as flores e não sorrisos. Sorrisos não nascem em árvores e não sobram de bandeja.

Assim como os bons sentimentos, hão de ser cultivados e não arrancados à força como se já viessem prontos em uma prateleira. Para se fazer sorrir não basta esticar os lábios e mostrar os dentes. É necessário fazer eclodir a sincera felicidade, fazer brotar a magia da mais singela demonstração de alegria.

Sorriso mecânico é amarelo, não tem cor de ser. Sorrir é coisa que vem do fundo, percorrendo todo o nosso corpo para fazer cada pedacinho de nós se agitar. Quando sorriem os lábios, sorri o coração e tudo o mais que aplaude ritmicamente o nosso simples existir.

Para viver o que, de fato, existe, sem criar coisas que não existem, nós precisamos alinhar nossos anseios. É preciso ler a partitura para tocar a música sem sair do tom.

Os sorrisos são o espelho que reflete aquilo que se vê em encanto. Uma criança brincando, um abraço apertado, um balanço no parque, um pipoqueiro na porta do cinema, um cobertor no frio.

Assim como o inusitado, chegam sem convite os sorrisos. E nunca chegam pra ficar. Porque sorriso tem prazo de validade. Tem que cultivar pra fonte nunca secar. A capacidade de sorrir nunca vence, mas não a deixe de lado porque vira bicho do mato, com aquela ruga na testa de gente que não ri, nem sorri e fica por demais ensimesmado.

Porque sorrir é uma arte. Pode-se sorrir a qualquer hora, em qualquer lugar. Mas aquele sorriso que outrora espantava toda e qualquer dor, de repente alaga-se em um choro bruto quando se deixa partir. E às vezes ele se vai e nos deixa sem sorrir.

E é tarefa nossa, os meros sorridentes, não se fechar pro fascínio do simples olhar que se expande num gesto em que os lábios dizem o que tudo em nós fala. O sorriso atento capta a sinestesia no ar. O toque que traz o frio e faz o olho virar. O beijo que o olho viu e fez o corpo arrepiar.

Nunca negue passagem a um sorriso. Deixe ele te atravessar. Sorriso é bálsamo pra qualquer doença, do corpo ou da alma. Sorrindo curam-se perdas e danos. Seja ele um curto sorriso de canto de boca em meio ao pranto, seja ele uma longa gargalhada que não se dá sozinho, o fim de um sorriso marca o tempo de sorrir de novo. Porque sorriso é perecível, mas a alegria não.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Para os que têm espírito largo e coração de poeta


Eu quase atravesso a rua quando avisto do outro lado, na calçada longínqua, crianças soltando pipa. Quase atravesso, porque atenho-me às cores que flutuam no céu de tal forma, que me esqueço de olhar pros lados. A pipa me atravessa e sou apenas um ser humano hipnotizado pelo pássaro cujas asas são as crianças e suas pernas ágeis.

Sento-me na grama, bem junto dos moleques animados e começo a entender porque é tão belo isso de deixar a pipa voar presa por uma linha na mão.

A pipa representa o mais belo da alma que existe em cada um de nós. Dar liberdade para essa beleza e deixá-la ir ao encontro do céu é um gesto de confiança inabalável. Saber que se pode perder a pipa a qualquer momento e, mesmo assim, lançá-la ao infinito é uma prova de muito amor.

A linha representa a noção de que algo nos conecta a essa beleza. É a linha tênue que define o laço que une, sem castigar. É o abrigo que damos ao belo, sem prendê-lo. É a forma que temos para demonstrar que nos preocupamos e que não deixamos o melhor de nós largado por aí. Não está largado, nem preso por garras firmes. Está solto, se quiser voar. Mas tem um caminho de pão na floresta, se quiser voltar.

A pipa dança pelo ar enquanto as pernas magras correm pra lá e pra cá na tentativa de não deixar sair do estado de graça a ave que ocupa o mais belo do céu, a mar azul de nossos seres, o mais alto que se pode ir com o olhar.

E os braços agitados ensaiam manobras por vezes arriscadas para dar à pipa a alma que o papel de seda não trouxe e nem trouxe o bambu. A rabiola de saco de supermercado baila como uma cauda de dragão e alimenta a imaginação de quem sonha baixo, porque os sonhos altos estão lá em cima, com a pipa.

Carinho na alma é soltar pipa todos os dias. Empunhar a linha e deixar fluir tudo de bom que há no mais íntimo do ser. Abrir as janelas, varrer a casa e deixar partir para o alto e avante tudo o que merece navegar na imensidão. Alargar o espírito e trazer poesia ao coração.

Deixar um pouco de nós voar é o melhor caminho para se chegar ao céu.
  

domingo, 7 de junho de 2009

Nunca ganhei um beijo


Preciso fazer uma confissão: eu nunca ganhei um beijo. Pasme! Mas ao contrário do que dizem muitas mulheres, nunca fui beijada.

Eu nunca achei que fosse possível ser beijada. Ser beijada presume um ato praticado por apenas um dos lados. E um beijo não se faz com um, mas com dois lábios aplicados na arte do encontro.

Todas as vezes em que foi oferecido a mim, o beijo ganhou tanto de mim quanto do outro.

É a mesma lógica do abraço. Ninguém ganha um abraço. Abraços são trocados. Numa sincronicidade não ensaiada, os braços de um envolvem o outro a tal ponto em que não se distingue quem começou e quem terminou aquele gesto.

Mesmo quando se pede um beijo, ou um abraço, não é algo que apenas se ganha. O pedido é apenas o despertar de uma ação que começa com duas (ou mais) pessoas e acaba com duas (ou mais) pessoas. O beijo só é beijo quando é praticado pelo todo. Assim como o abraço não é abraço sem o braço que envolve reciprocamente.

Quando damos um abraço e o outro não responde, fica aquela sensação de que há alguma coisa errada. Ou a pessoa é tímida, ou está chateada, ou, simplesmente, não sabe abraçar. Um abraço sem todos os braços, fica meio frio, meio vazio.

Um beijo sem duas bocas, um beijo de um lado só é beijo forçado, beijo recusado, beijo amedrontado, ou beijo que não quer acontecer. Um beijo de verdade é beijo em harmonia, como a forte sintonia entre o despertar do sol e o dormir da lua.

Beijar e abraçar são verbos reflexivos. As pessoas beijam-se e abraçam-se. E se não tiver o "se" fica uma coisa assim, meio sem ter pra quê.

O encontro é uma troca. Não tem dar, nem receber. Existe apenas uma escolha, a escolha do mútuo olhar, dos mútuos carinhos e do mútuo querer.

Receber beijos nos coloca na condição de espectador de algo que poderia ser vivido intensamente. Mesmo os beijos estalados, dados na bochecha ou na nuca, conversam com a pele e sentem os pêlos eriçados tocarem os lábios em resposta.

Dar um beijo, roubar um beijo só vale quando o outro colabora. Beijo forçado não é beijo, é lábio que aterrissa numa parede inerte que não escolhe aquilo que a toca. É como o mosquito que pousa em nossos tetos para perturbar o nosso sono. Ele não foi escolhido, ele só está ali.

No meu mundo, os abraços são cada vez mais verdadeiros e os beijos cada vez mais calorosos. Porque uma vida de beijos ganhos é uma vida sem trocar. E no espetáculo do amor (de todo tipo), mais vale ser ator principal do que platéia apática, que gasta aplausos a cada quadro a que assiste, como se não tivesse em si a capacidade de retribuir.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Desinteligência


Quando o sol desperta e nos convida às cores do dia que a noite esconde sob a lua é hora de abrir os olhos e seguir rumo ao infinito horizonte que oferece, em leque, as inúmeras escolhas que podemos fazer. Hora de sentir a última gota de orvalho pingar sobre a testa ansiosa, enquanto chega a chuva correndo faceira sobre o rosto em sorriso. Hora de decifrar contente as nuvens que trafegam livres na imensidão azul do céu. Hora de colher a brisa com as mãos em concha enquanto se salta por sobre as pedras de açúcar como se fossem elas os únicos obstáculos que o caminho oferece. Hora de transformar em castelo montes de areia erguidos ao sabor da carícia dos ventos que correm ao Deus dará. Hora de colher em árvores doses cavalares de felicidade embaladas pela melodia púrpura de sonoras gargalhadas. Hora de sentir a presença mágica dos sinais de uma matemática de onde nada se tira e tudo é soma. Hora de descortinar as cores sortidas que ficam cara-a-cara conosco quando olhamos pro espelho.

Não é uma questão de falta de compreensão. São apenas línguas diferentes. Cada um vê o mundo de uma cor. Seja melhor ou pior, tudo aquilo que se vê ou que se sente é legítimo. E quem consegue entrar no mundo de outrem com lentes-de-fazer-ver-tudo-aquilo-que-se-quer?


quarta-feira, 3 de junho de 2009

A crise do século


Ainda não sei porque choro sua ausência. Com você longe de mim, meu tempo tornou-se meu e de minhas tardes voltei a ser dona. Pude, enfim, retomar o tricô do tapete incompleto há tempos e bordar as toalhas de lavabo com o ponto-cruz que minha mãe me ensinou.

Li os livros que suas cansativas explanações sobre a correria do trabalho me faziam devolver à estante sem sequer completar o primeiro capítulo.

Tive tempo para assistir aos meus filmes favoritos sem as suas queixas sobre a pieguice do romance encomendado.

Acordei tarde, em plena segunda-feira, sem o peso na consciência que a sua agenda atarefada me impunha sem piedade.

Dormi na alta madrugada com o abajour aceso só para sentir a transgressão dos seus horários tão metódicos e da necessidade do breu que sequer me deixava fazer palavras-cruzadas para pegar no sono.

Por falar em palavras-cruzadas, fiz as dos jornais dos últimos domingos com um prazer indescritível. Você NUNCA deixou um quadradinho sequer em branco pra eu completar. Agora, até o "jogo dos 7 erros" eu faço. Adoro a sensação do jornal ser só meu.

Na última noite mesmo, usei minha melhor camisola, comprada há pouco (você nem chegou a conhecê-la, tinha guardado pra um momento especial que não teve tempo de chegar) e deleitei-me em meu próprio existir.

No fim-de-semana, fui à praia. De biquíni. E sabe o quê? Fui bastante paquerada. Você me convenceu de que eu ficava horrível de biquíni e nas poucas vezes em que fomos à praia, eu me enfiei dentro de um maiô senhoril.

Ah, se você tem alguma intenção de buscar suas coisas, nem precisa se preocupar. Joguei muita coisa fora. Mas outras eu não joguei, não. Tinha roupa com etiqueta, ainda! Se quiser reaver alguma coisa, dá uma passadinha no asilo aqui do bairro.

Sábado teve um petit comité aqui em casa. Sabe aquela minha amiga que você detestava? Então, está fazendo maravilhas por mim. Acabou de passar por um divórcio e sempre inventa uns programas divertidos pra gente fazer. A festinha aqui de casa foi organizada por ela. Um arraso!

A empregada, que você adorava, mandei embora. Ela insistia em fazer o arroz do seu jeito e eu cansei de comer cebola no lugar do alho. Contratei uma nutricionista com especialização em comida natural. Já emagreci uns bons quilos e voltei a caber nas calças jeans que você disse que era melhor eu dar.

Você deve estar se perguntando como eu estou pagando por isso. Sabe aquele Portinari de que você tanto gostava?

É engraçado isso, né? Quando fiz as contas hoje de manhã durante minha corrida matinal com meu personal trainer pela orla, percebi que já faz um século que eu me separei de você. 

Logo após a sua partida, pensei em te propor uma trégua, uma chance pra nós dois. Pensei por dias a fio em formas de conseguir resgatar tudo aquilo que eu achava que havia entre nós.

Mas aí olhei pros lados e vi a vida acontecendo. Tanta coisa boa ao meu redor. Tanta gente com quem contar. Tantos olhares a me cercar. Já se passou muito e muito aconteceu desde lá. Nem sei mais se o que eu sentia existia, nem se o que havia é tudo aquilo que guardei em minha memória. 

Só sei que o tempo passou.

Um século é tempo demais para voltar atrás, não acha?

terça-feira, 2 de junho de 2009

A última dança


Passo o tempo a pensar. Quanto mais o tempo passa, mais eu penso em poder parar. Parar o giro da Terra para poder pensar. Pensar no mundo, pensar em tudo o que há no mundo. Pensar no que faz o mundo girar.

A roda percorre o mundo porque gira em si, sem olhar pro lado. Nós percorremos a vida quando saímos do eixo, sem um cálculo acertado. Estar para a roda, assim como a roda está para si, significa ficar dentro da prisão que faz o pulso diminuir.

O coração tem que acelerar para viver o seu pulsar. O batimento que dá vida não pode nunca parar. O coração tem que amar e odiar. Amar porque o faz sentir que tem vida. Odiar porque um amor só acaba quando seu antônimo chegar.

E quando um amor acaba, não há como recuperar. É cada um por si num mar de dor que só é dor porque tamanho era o amar. E no amor que era, não há como continuar. Porque amor tem que ser no presente. No passado, é duro penar. No futuro, não é amor, é imaginar.

E aquilo que um dia era uma coisa pra sempre, virou coisa pra trás num balaio de palha em que não cabe guardar. Cabe apenas um pouco daquilo que suja, a poeira vai escapar. A ampulheta da vida deixa escorrer a areia que escreve os nomes de dois pro mar apagar.

A maré, que vai e vem, leva o mar-de-rosas e traz o sol nascente. A luz chega com o dia, enquanto a noite escurece o quarto sombrio. O sonho esquenta a cama que esfria no hiato do abraço vazio.

Mais um dia se passa e fica mais longe o sofrer. Cada dia é um dia a mais na arte de viver. Somar dias de dor não faz bem pro amor. Ele chega a qualquer instante, sem nenhum rigor. Não feche as portas nem janelas, que esse moço que entra no coração ainda não aprendeu a pular os muros, não.

domingo, 31 de maio de 2009

Tapete vermelho


Quando tudo era cimento, pétalas de rosa. Os caminhos eram floridos aos olhos de quem quisesse ver. O aroma das flores preenchiam o meu, o seu ser. Caminhávamos pelos nossos espaços comuns como fôssemos borboletas estalando-se na hora de amar. Eu, você e um mundo inteiro pela frente. Lugares, pessoas e sorrisos que ficarão na memória de um futuro que nunca chegará a ser.

A vida revela-se como um filme sem cor em que a magia do arco-íris é retirada à força. Uma poesia lisérgica me coloca num caleidoscópio e me faz rodar para formar as imagens bonitas que não consigo ver.

Estendeu-me o tapete. Quando pousei meus pés sobre o chão vermelho, uma pausa: assim não, vai sujar...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Seguiu sendo...


E foi até quando tudo havia para ser. Aquilo que não é, não se pode ter. Pode-se, apenas, contentar-se em ter potencial, sendo aquilo que pode vir a ser, aquilo que tem uma alma e carrega uma existência única cujo papel é tão só e simplesmente, florescer.

... até não ser mais.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Vovó não quer casca de côco no terreiro, pra não lembrar do tempo do cativeiro


13 de maio
By Caetano Veloso

Dia 13 de maio em Santo Amaro
Na Praça do Mercado
Os pretos celebravam
(Talvez hoje inda o façam)
O fim da escravidão
Da escravidão
O fim da escravidão

Tanta pindoba!
Lembro do aluá
Lembro da maniçoba
Foguetes no ar

Pra saudar Isabel
Ô Isabé
Pra saudar Isabé

Passa o tempo e é o quê mesmo que celebramos? A aboliçao da escravidão que não aboliu opreconceito? A sociedade que ainda acredita em raças? Minha pele diferente da sua me faz diferente em quê?

Existe apenas uma raça, a raça humana. Eu, você, e todos as pessoas somos nada mais, nada menos do que semelhantes. Grave essa palavra: se-me-lhan-tes.

O dia em que todos nós conseguirmos olhar nos olhos de qualquer ser humano independente de cor, credo, religião, sexualidade, naturalidade, posição social, e enxergamos as semelhanças, neste dia seremos uma sociedade. Por hora, somos animais em caça farejando as diferenças dos outros.

"O significado atribuído a uma diferença pode ser mais importante do que o fato de haver uma diferença"

SALVE!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Amores são flores são amores são flores


As tulipas são flores belas e representam o amor perfeito. Quando em clima tropical, pedem gelo para não morrer de calor. Para darem novas flores, seus bulbos devem morar no congelador por seis meses. Para durarem mais quando floridas, geladeira. 

Os amores perfeitos são sentimentos belos representados pelas tulipas. Quando em clima morno, pedem reciprocidade para não morrerem de tédio. Para darem novos frutos, suas sementes devem morar no coração por algum tempo. Para durarem mais quando amores, perfeitos.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Life is a challenge


O mundo me encara cheio de perguntas...

... e eu sem as respostas!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Amar é...


Ainda não te contei que eu sei, que eu sempre soube, que você desligava o alarme logo que ele tocava só pra eu dormir mais um pouco. Você corria com as mãos apressadas a apertar o botãozinho que me rendia mais alguns minutos de paz antes do dia começar. Eu sempre achava que o despertador não funcionava, tamanho meu estado de torpor ao abrir os olhos junto com o apontar do sol, e você sempre foi a guardiã dos meus primeiros minutos do dia.

Assim como eu sabia que você cochichava no ouvido da sua mãe para ela não colocar coentro na comida só porque eu não gostava. Eu fingia que não ouvia para te dar o prazer da surpresa e para não alongar sua resolução rápida com sua mãe. E lá vinha a travessinha cheia de coentro picadinho pra cada um colocar na sua comida e eu não precisar guardar no cantinho do prato as folhinhas verdes que tanto desagradavam o meu paladar.

Eu sempre soube que seus carinhos mais incisivos quando íamos ao cinema eram só uma forma de me acordar delicadamente de um cochilo no meio do filme sem ter que confessar que me viu dar uma pescada e fechar os olhos no meio do mar de gente. Você me poupava da vergonha de admitir que eu havia dormido durante a sessão, já longa demais para o meu cansaço.

Eu já desconfiava que você tinha um truque para comprar minhas roupas e nunca errar. Até que eu te flagrei medindo o cós da calça jeans no seu pescoço e calçando um sapato alguns números menor para entender se a fôrma era grande ou pequena. Você descobriu as minhas medidas no seu corpo para me poupar das agonizantes tardes dentro de um shopping center.

Naquela tarde que eu te vi saboreando um prato de feijoada com especial atenção ao feijão preto, entendi que o feijão carioquinha de nossos almoços ao longo dos muitos anos eram um renúncia ao seu grão favorito. Você gostava mais do preto. E eu gostava mais do marrom. E minha vontade de impôs sem ao menos eu saber que era mais um de seus agrados.

Teve o episódio do relógio do carro adiantado em alguns minutos para me dar a sensação rara de chegar na hora. Meus atrasos consumiam um bocado da minha tranquilidade, e o relógio com algum avanço nos minutos, me fazia ser pontual mesmo sem querer. Você mexia no relógio sem me contar, e eu acabava chegando na hora certa, mesmo achando que estava atrasado.

Sem falar das noites em que dormi com a televisão ligada e o meu corpo todo entrelaçado ao seu. Você se desvencilhava das minhas pernas pesadas, retirava delicadamente o controle de minhas mãos e eu sequer acordava.

Você cuidava de mim até quando eu não notava. Mas eu sabia que tinha sempre ali uma mão pronta a ser estendida quando o meu passo vacilasse. Pequenos gestos que se multiplicavam em grandes sensações.

Amar pode ser simples...

domingo, 19 de abril de 2009

When we believe...


What is life made for if it is not to be lived?

Be lived!

Believed!

Believe it!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Bel far niente


Tem gente que diz que é coisa de quem não quer nada da vida. Eu digo que é coisa de quem quer mais, muito mais do que uma vidinha ordinária. Acordar sem pressa, ter tempo pra ler, pros amigos, pros priminhos e pro que der e vier não me parece, propriamente, um problema.

A vida é feita de pedacinhos. Pedaços do dia, das horas. Pequenos acontecimentos, grandes sentimentos. Sem isso fica sem graça, dá preguiça de acordar, dá tristeza quando a segunda-feira tá pra chegar.

É um abraço a mais, uma hora a menos de stress, um trabalho perto de casa, momentos livres pra brincar com os filhos, o controle remoto na mão à sua disposição, sem pressa. Pode ser a hora do almoço, aquela comidinha gostosa, o fim de tarde com os colegas, ou uma chuvinha debaixo do cobertor.  A música boa durante o engarrafamento, o prato trocado no restaurante que é bem melhor que o pedido, uma visita de última hora. O ingresso ganho quinze minutos antes do show carérrimo, a passagem de promoção pra uma viagem da última hora, a grama verde do jardim. O tempero da vovó, a aula de natação, o banho de cachoeira. Uma risada gostosa, um telefonema no meio da tarde, um beijo daqueles que tira o cansaço. 

Os prazeres simples são o combustível para a vida, que não fica tão simples mesmo com muito esforço. A gente desapega, consome menos, muda a rotina, melhora a alimentação, separa o lixo, recicla papel, dá mais carona. A vida não fica simples, mas fica mais leve, mais gostosa, mais repleta de coisas que fazem bem ao que nos é essencial.

Dar valor às pequenas coisas e saber lidar com as agruras do dia-a-dia com sabedoria, paciência e alegria de viver acaba atraindo pessoas e acontecimentos que acrescentam mais e mais àquilo tudo que já vem dando resultados. Coisas e pessoas que são o adubo pra gente frutificar mais genuinamente, brotando coisas que vem de dentro, lá da alma da gente.

Sem a beleza das coisas simples, fica sem sentido correr atrás do dinheiro. Dinheiro pra gastar com o quê, se não sobra tempo, nem ânimo, nem tesão em viver? Dinheiro pra quê se não há encontros, sorrisos e coração tranquilo? Dinheiro não vira alegria da noite pro dia. Dinheiro é bom, todo mundo gosta, mas não acalma choro de criança, não faz amizade, não vira amor.

Como diria um sábio amigo meu: prefiro ter tempo pra correr atrás do dinheiro, do que ter dinheiro e não ter tempo pra correr atrás do tempo.

Vamos acordar pro mundo, despertar pra vida e fazer alguma diferença aqui e agora. Nem que seja pra nós mesmos. Quando estamos bem, dividimos esse sentimento com tudo o que nos rodeia.

Não dá pra ser feliz só sábado e domingo...

terça-feira, 7 de abril de 2009

A chuva


Estou chorando
Cai a chuva como fossem lágrimas do céu
O gosto de sal na boca torna-se cada vez mais amargo

Sinto-me seca, oca
Como houvesse saído de mim
o rio que me preenche

Dirijo pela cidade sem saber mesmo aonde chegar
As mãos trêmulas erram as marchas
Erram o ritmo do limpador de pára-brisas

O sinal vermelho me paraliza
e me deixa respirar
Um pouco de ar
Freio a minha dor para conseguir acelerar

As lágrimas do céu tocam o automóvel 
numa cadência salutar
O infinito sabe de mim
Ele sabe do meu penar

É noite alta, madrugada
e eu não sei por onde começar
Não sei se é hora de dormir
ou se é hora de acordar

Os faróis buscam em mim
a luz que já não há

Passo pelos postes como se pudesse dar-lhes as mãos e dançar essa ciranda iluminada

Quero fazer parte dessa roda de vida
quero girar na roda da vida
Quero rosas em laços
quero abraços em fita

domingo, 29 de março de 2009

O amor não tem costas. Tem cara.


Quando o amor chega, não pede licença nem passagem. Chega como se o seu lugar estivesse guardado por toda uma vida e vai logo se depositando. Mal pergunta se pode entrar e já vai se sentando em nossa poltrona favorita e acendendo um de nossos charutos cubanos.

Não é uma visita que se anuncia. Ela aparece quando bem entende. Aparece justo na hora do almoço, oportunista! Sabe que teremos que nos desdobrar para dividir a comida de um com mais alguém. Ri largamente anunciando a hora de "botar mais água no feijão". Sabe muito bem que o prato à mesa não lhe pertence, mas come da comida mesmo assim.

Chega despretensiosamente, como se viesse apenas contar uma novidade e, quando vemos, reservamos uma cama só pra ele para que repouse por alguns dias. Abusado que é, vai ficando. Enquanto o alimentamos e mantemos seus aposentos em ordem, ele fica. Mora conosco como se fosse parte daquele lar há tempos. 

Nos primeiros dias, a sua presença muda toda a rotina da casa. Por vezes, causa até mesmo um certo mal-estar. Dá vontade de pedir pra sair e deixar tudo como era antes. Mas quando menos percebemos, já estamos afeiçoados a ele e não queremos mais que vá embora. Sim, ele fica! E continuamos repartindo os espaços que ele insiste em ocupar. E aquela presença que antes parecia uma invasão, torna-se a melhor parte que existe em nós.

De intruso a necessário, passa a dividir conosco as risadas mais gostosas, as noites em claro, as cócegas da pena. Dialoga com nosso íntimo com a propriedade de um bom psicólogo em uma sessão no divã. Abre as janelas para a luz entrar e sabe do que a gente gosta.

Ele não se ocupa de nada, simplesmente embeleza os dias e as horas com sua presença prazerosa. Não conserta a fechadura da porta nem leva a chave para fazer cópia. E, quando nos esquece de fora, sentamos na escada e aguardamos calmamente seu retorno. Ao menor sinal de passos se aproximando, quanta alegria! E ele volta com toda a propriedade de quem já nos arrebanhou num gole colossal.

O amor não tem costas. Tem cara. Não adianta correr atrás. Basta esperar a sua visita com a casa arrumada. Dê a ele seu melhor quarto e um pouco de espaço que ele vai gostar de ficar. Compartilhe o pouco que tem aí com o pouco que ele espera de ti e crie uma festa dentro do seu coração.
 

segunda-feira, 23 de março de 2009

S-A-U-D-A-D-E


Quando não se mata a saudade, ela acaba nos matando. Matando de fome e de sede como se anulasse todos os sentidos e quisesse ser única dentro de nós. Toma conta dos pensamentos, da nossa rotina e de cada momento em que não conseguimos ficar imunes ao seu poder implacável.

Sentir saudade é cavar vazios no peito. É, também, ter a certeza de que os buracos são proporcionais a sentimentos bons e verdadeiros. Só sentimos saudade daquilo que amamos. Quanto mais amor, mais saudade. Há também os que sentem saudade de uma dor. Mas tudo o que dói um dia, já foi amor.

Saudade é a soma do amor com o vazio que ele deixa.

sábado, 21 de março de 2009

Qual o seu pedido?


Muitas músicas ainda hão de nos encantar. Muitas pessoas ainda hão de nos fazer sorrir. Haverá os que vão e os que ficam. Seremos mais tristes ou mais felizes a cada partida ou chegada. Daremos mais de nós, ou menos. Ganharemos novos personagens a interagir em nossas vidas, enquanto outros seguirão ilesos à nossa passagem. Como muitas aves já pousaram em nossos ombros para alçar vôos maiores, partirão como chegaram, vindos do vento e indo ao encontro do horizonte. Sobre estes mesmos ombros que carregam as palavras que repousam no mesmo livro, sobre a cabeceira. 

Se a vida é um breve momento, não deve ser escrita sobre as páginas rabiscadas. Sobre as mesmas páginas rasuradas que alguém amassou outrora. A vida é um breve pulsar que não pode escapar aos olhos. É como as nuvens que nos fitam como um rascunho do momento em que estamos. Um sopro, e o castelo vira monstro. Ao sabor do efêmero, as nuvens modelam nossos sonhos e dependem de nós para serem frutas, rostos, animais, sorrisos e dragões. Basta querermos para que sejam belos pássaros a cantar. Ou urubus a nos cercar.

A vida está à nossa disposição. Qual o seu pedido?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Momento Mafalda II


Se o planeta voa e continua na mesma galáxia,
Que seria do mundo se pudesse caminhar?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Das coisas que NEM nos restam


Antes que começasse, terminou. 

Tanta coisa vai deixar de ser dita. Tantos sentimentos que nem existirão. Não haverá memórias a compartilhar. Não vai haver a lembrança dos momentos felizes. Não vai doer a angústia de uma viagem longa, sem comunicação.

Os ingressos do primeiro cinema juntos ainda estão na bilheteria. O garfo em que ele ofereceu a ela uma porção de sua sobremesa ainda está na gaveta. O canudinho da coca-cola parou na boca de uma pessoa qualquer que passou pela rua da lanchonete em que comeriam um dia. Os lençóis com o perfume e o suor dele ainda estão nas prateleiras da loja de departamentos.

Ela nem teve a chance de contar a ele histórias de sua infância. Ele não pôde contar a ela que seu cabelo bate nos ombros por culpa dos amigos que rasparam suas longas madeixas ao passar no vestibular, já há alguns anos. Ele não sabe que ela já sofreu um acidente de carro e quase morreu. Ela não sabe que ele pegou pneumonia e quase morreu.

Ela iria se apaixonar pelo sorriso dele. Ele iria se encantar com a placidez do rosto dela enquanto dorme. O prato preferido dela seria o risoto que ele faz com alcaparras. O passeio preferido dele seriam os fins-de-semana na casa de praia da família dela. Ela não passaria frio naquela noite, porque teria ganho dele um suéter de Natal. Ele não teria caído da escada do prédio porque ela sempre quis morar em casa.

O nome do primeiro filho seria escolhido por ela. O do segundo, por ele. Ele cuidaria das crianças durantes as férias para ela trabalhar. Ela passaria o Domingo todo cuidando da família. Ele apresentaria muitos livros interessantes a ela, enquanto ela enriqueceria os dias dele com músicas inesquecíveis.

Ela guardaria a rolha do vinho especial que tomaram no aniversário de casamento. Ele compraria um carro grande para caber toda a família. Ela aprenderia Inglês para acompanhá-lo no doutorado na Inglaterra. Ele deixaria de comer carne porque ela é vegetariana. Ela encheria a casa de porta-retratos porque ele adora tirar fotos. Ela conheceria neve porque ele adora esquiar.

Eles tinham tudo para ser felizes. Ou não. Não importa! Eles teriam um futuro pela frente.

Mas eles não sabem disso. Nem vão saber. Acabaram de se esbarrar ao atravessar a rua. E sequer olharam um pro outro.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Será que pode ser assim?


Se o  mundo lhe disser NÃO
Diga a ele que eu lhe disse SIM, SIM, SIM...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dança a dois


Quando dois olhares se entendem, as palavras perdem lugar. Os espaços se preenchem e o silêncio vira respiração. O que se diz é apenas o símbolo de que se está ali, presente. Nessa hora, o corpo fala o que a boca cala. É um par de jarros em sincronia, esculpidos sem ensaio, por mãos trêmulas que dispensam coreografia. A terra vermelha corre como sangue nas veias do barro a se modelar. Uma verdadeira arte de fazer dois serem um, por dentro e por fora, como bonecas russas da alma.

A dança, em par. O ritmo, marcado pela possibilidade de deixar-se levar, pode virar um quadro abstrato de inúmeras fitas no chão de taco, para não se perder o passo e não ficar para trás. Nem por um minuto sequer. Enxergar-se é a melhor forma de não cair. Segurar-se é a melhor forma de amparar.

Um ballet em que vale sapatear para ouvir o compasso dos pés que alternam-se no ar. Os rostos rosados, com um quê de apressados, brindam com o orvalho do amanhecer. As bocas sorrindo, comungam-se, sentindo um gosto de mais-querer, um gosto tão único que é mais cheiro do que gosto. Um gosto de cheiro. Cheiro de algo que não sei bem dizer. 

A sapatilha encerra a fita de cetim que brilha entre os pés e mãos envolvidos pelas cortinas de veludo vermelho. E os olhares continuam a se entender e se comunicar num tango argentino que provoca torrentes de dormência. Os corpos enfeixam-se sem intervalos. O olhar não esquece seu par nem para fitar a rosa que a boca carrega em dor. Os lábios que não se tocam por uns instantes até que as pernas pensem em poder parar.

Na cadência do querer, os corpos atravessam-se e terminam em mar. O sal que transborda aos montes, da existência dos amantes, exalando o doce odor que só o suor de dois pode fabricar. 

E nessa dança que é poesia, o verso rodopia, numa rima alternada, em que ficam emparelhadas essências, corpos e risadas, num verdadeiro enjambemant que faz saltar, para o alto e sem ar, uma primeira-bailarina a dar seu impulso contraído, num mar de mil suspiros, num poderoso grand jeté.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O mundo gira ao seu redor


Tocando o ar compreendo o espaço que ocupa meu corpo. Se estico mais o braço, alcanço ainda mais partes de mim. Quando eu me abraço sinto que existe em mim, muito mais do que eu posso abraçar. 

O mundo em minhas mãos. O mundo em mim. Não adianta olhar para trás. Não enxergo suas escápulas. Não vejo o quão torta anda sua coluna. Sinto-me atada pelos pulsos quando meus olhos estão vendados.

Assopro suas nuvens para enxergar a imensidão azul. Daqui do alto, posso jogar bola de gude para fazer o sol nascer. Posso dar novas cores ao céu para o pôr-do-sol ficar alaranjado. Posso fazer a Terra rodar mais rápido para contemplar mais vezes o espetáculo do dia. E da noite. E do dia. E da noite.

O mundo foi dormir e me tirou o sono. A noite caminha de mãos dadas com o meu travesseiro. Os lençóis estão gelados porque a cama está vazia. Deitar não é dormir. Dormir é acordar. Acordar é pôr-se de pé no mundo e para o mundo. Às vezes dá medo de pisar com o pé errado. Às vezes dá medo de deitar e ficar deitado.

Tem noites em que eu prefiro os dias. E tem dias em que eu quero devorar a noite com uma mordida faminta. Quero sentir o gosto das estrelas e deixar a lua cheia, minguante. 

Enquanto o mundo gira, fico louca de tontura. Finjo que a minha náusea é fruto da rotação, enquanto guardo pra mim o sabor amargo de uma embriaguez que me toma os sentidos. Engano-me a cada passo para não me culpar pela mesquinhez do mundo. O peso que paira sobre os ombros já não me dói como antes. Para ficar triste, basta estar feliz.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Feliz ano novo!


Quando nada é proibido, saem às ruas os medos, os desejos, as alegrias e as fantasias. É hora de jogar pra cima confetes e serpentinas e dar lugar às brincadeiras que a vida séria deixa em segundo plano. O bloco abre alas para os sorrisos que entoam juntos o canto da permissão. Vale tudo para ser feliz. Vale, até mesmo, acreditar numa felicidade que só existe nos 4 dias de carnaval.

Pode-se ser. Ou não ser. A questão é poder escolher. Se a sua estrela não brilha, plumas e paetês. Se brilha por si só, entre na passarela e deixe seu brilho se espalhar. Desfile suas bruxas e fadas. Assuma sua bela e sua fera. Se, de médico e louco, todo mundo tem um pouco, cure a tristeza e libere qualquer forma de expressão. Aqui, camisa-de-força é fantasia. Tenha um pouco de herói e, por que não, de vilão também. Abra suas asas. Voe pelas ruas. Expresse-se. Diga o que quiser. E não precisa me dizer quem é você.

O corpo é um mero instrumento da criatividade. É o suporte de cores, formas, personagens e mensagens. O sonho pede passagem. Não dá pra ficar imune. Carnaval é vírus. Quando menos se espera, o ar é suor e cerveja. A chuva, se vier, lava a alma da multidão e leva os males de 12 meses de espera.

E o ano, que fica parado até o carnaval chegar, começa quando terminam os festejos. E logo se inicia a contagem regressiva para o próximo carnaval. 2009 começou. Feliz ano novo!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Seria Deus, um sádico?


Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou um marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

Quando conseguia alcançar o bem pretendido, parava de freqüentar a casa de Deus. Ia uma última uma vez para agradecer. E depois saía pra comemorar. Começava a beber até entrar dentro da garrafa. Ficava imersa em um mar de cachaça até que a primeira briga com o marido a despertasse do estado de inércia em que se encontrava. Brigavam até altas horas. Gritavam e incluiam os vizinhos, involuntariamente, nas confusões noturnas de um casal ébrio.

Parava de se alimentar direito. Deixava alguns banhos de lado e, por vezes, trocava o nome dos amigos. Comprava fiado e não pagava. Pisava no rabo do gato, cozinhava feijão com açúcar e dormia em cima da mesa. Desistia do emprego novo, falava palavrão e riscava caixas inteiras de fósforos para distrair-se.

Perdia a graça do mundo. Desgostava das pessoas e ficava amuada. Parava de sair à rua. Não agüentava o falatório dos vizinhos. Trancava o marido pra fora de casa e ficava com o sofá só pra ela. Era absorvida pela televisão com a imagem chuviscada e tentava bloquear qualquer pensamento de sua mente.

Quando cochilava após o almoço, acordava assustada e suada. O calor invadia as janelas e trancava-se com ela no reino empoeirado que se erguia ao seu redor. Mal falava com o marido e os dois pouco se importavam com o vazio crescente entre eles.

Um belo dia, tomava um banho frio e sentia vontade de pedir a Deus para que tudo melhorasse. Vestia-se comportadamente e com roupas claras. Rezava fervorosamente todos os dias. Ia à igreja do bairro. Chegava mais cedo e ajudava o pastor a organizar a missa. Passava um pano no chão, abria a bíblia na página certa. Bordou outro marcador de livro com as iniciais do religioso. Sua fé chegava a causar certa inveja em beatas que não investiam tanto ardor no seu querer em nome de Deus. Acendia velas e mandava imprimir santinhos. Até que a graça era concedida.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Asas abertas para o mundo. Longos trajetos. Belo viver.


Um dia sonhei que estava nua. Acordei com as bochechas vermelhas.

No outro, sonhei que brigavam comigo. Acordei com lágrimas nos olhos.

Hoje eu sonhei que voava. Acordei com asas. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O futuro do pretérito


Consigo falar de mim. Consigo sim. Desde que joguei as palavras ao vento e coloquei este blog no ar, não fiz nada a não ser falar de mim. Quando escrevo sobre qualquer fantasia ou ficção, só consigo expressar coisas que estão guardadas aqui dentro. É o meu arquivo funcionando para adentrar em mundos novos ou nem tão novos assim. E tudo já é um pouco conhecido, já é meio meu, porque não há nada mais auto-biográfico do que um texto que expressa situações, sentimentos e percepções que, de alguma forma, fazem (ou fizeram) parte do meu arsenal de informação. A informação pode ser vivida ou estar vívida em minha mente vinda de qualquer outro canal, mas nunca é parte de algo absolutamente desconhecido.

Se escrevo sobre o fabuloso mundo dos polvos gigantes que soltam tinta cor-de-rosa, só o faço porque sei algo sobre os polvos (nem que eu tenha visto em alguma revistinha da minha infância), quero que eles sejam gigantes e acho que rosa vai combinar. Se descrevo a dor ou a alegria de um sentimento, é porque eu já o vivi. Se conto um conto, monto o cenário na minha tela imaginária com elementos que eu já vi, toquei, pisei, assisti em algum filme, li em algum livro. O que a imaginação me dá pra construir as minhas histórias e, por conseqüência, a minha história, é meu, é parte disso que sou. Se alguém me conta uma história linda ou diz uma frase genial, ganho um presente pro meu baú de palavras. Peço autorização se for usar em fronteiras além de mim. Se ganhar um sim, divido por aí a graça disso. Se ganhar um não guardo aqui mais uma portinha por onde entrar e imaginar.

O meu mundo é a soma de tudo o que eu fiz, faço, fui e sou. Complementado pelas pessoas que conheci e conheço. Adicionam-se coisas que perdi e encontrei pelo caminho, fatos e acontecimentos previstos e imprevistos, além de lugares por que viajei. Engrossam esse angu as histórias que ouvi, as comidas que comi e a quantidade de frutas e cores que conheço. Tem também as coisas de que gosto e de que não gosto. E as diferentes paisagens que contemplei, os filmes que me encantaram e os livros que me devoraram. Muito importante lembrar do número de passos que já contei e a mão que uso pra escrever (sou canhota no manejo do lápis e destra pro resto das coisas). Computo ainda, na matemática do meu ser, os arranhões, as picadas de inseto, os ossos que não quebrei, o aparelho fixo que usei, os dois pontos que levei e os óculos que, enfim, conquistei. São parte disso, ainda, os brinquedos feitos a partir de sucata, com destaque para o telefone de lata. E os meus talentos naturais (aquilo que é mais próprio de mim e por que eu nunca recebi um diploma)? 

Ah, tem também o nome! Um capítulo a parte na vida de qualquer pessoa. Meu pai é goiano e fala o "R" puxado. Minha mãe é alagoana e fala o "T" e o "D" com a língua tocando os dentes, com um sotaque bem nordestino. Na hora de escolher meu nome, tinha que ser um que os dois falassem igual. MaRcela, não podia. Nem TaTiana. Fiquei Thaís. Primeiro, sem "H". Meu pai achou com cara de "Tais" (tais artigos, tais coisas, tais despesas) e pediu pra colocarem uma letra extra no meio do "T" e do "A". O nome é coisa séria! Desde que nascemos somos destinados a carregar ele com a gente. Amado ou odiado, fruto de uma boa escolha ou um capricho dos pais, pode ser motivo de rimas belas, infantis ou até mesmo tristes. É a nossa identidade nua e crua: não tem como esconder, uma hora a professora vai e faz a chamada. Está lá a prova cabal que vai abafar o amado apelido ou entregar um sobrenome estranho. O nome é muito a gente. Determina uma parte da nossa personalidade desde que começamos a nos relacionar com o mundo e sermos chamados pelas pessoas que nos cercam.

E agora eu estou aqui, chamando a mim mesma. Escrevo um texto para que eu leia em voz alta e ouça um pouco das coisas que às vezes eu esqueço de conversar comigo mesma. Essa é a pauta de uma reunião interna, minha, com meu "eu". E, certamente, não foi a primeira e, muito menos, será a última. Eu sequer pretendo deixar de encontrar comigo mesma algum dia. Peço a você que registre os pontos mais relevantes e as questões omitidas para serem discutidos na próxima reunião. Por hoje é só. Todos estamos dispensados.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Receita de alegria


Brinque numa tarde de alfenim
Repouse em grama verde
Acorde em meio a flores
Faça do tempo seu jardim

Sonhe com um mundo em branco
Em suas mãos, lápis de cor em maço
Um futuro inteiro pela frente
À espera do seu traço

Lembre-se de lembrar das coisas
De recordar-se das pessoas
Quando se é mais que se tem
Esse é de todos, mais valioso bem

Não se esqueça de sorrir
Nem que preciso seja para este fim
Amarrar fita vermelha no dedo
E encher a vida daqueles papelzim amarelim

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Dia de Iemanjá


Bahia querida, terra de mi vida. 

Dois de fevereiro,
dia de Iemanjá.
Ofereço a ela uma pedra,
dou um mergulho no mar
Ofereço a ela um espelho,
e me pego a me olhar
Ofereço a ela um ramo de flores,
e peço em troca
um mundo de amores
(cores, sabores, olores)

Desejo a você Bahia, alegria, todo dia!

Sim, estou com saudades...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

A primeira vez

As luzes apagadas. Os olhos pequeninos que me indagavam um pouco arredios. O passo pequeno e receoso. A mão suada que não queria mais soltar-se da minha.


Ela caminhava em direção àquilo que chamou de uma "televisão bem g(r)ande". A expressão apreensiva buscava compreender a nova realidade. Era a primeira vez dela no cinema. Nós havíamos chegado após o início da sessão e o breu tomava conta da sala repleta de famílias. Tudo muito novo e faltava luz. Luz para explorar.


Maria Clara teve a melhor atuação do filme. Ela ditava o ritmo, os diálogos, a fotografia. Ela escolhia perfeitamente a cena a que eu assistia em três dimensões. Aquela pequenina criança de dois anos e a enorme sala escura a desafiar-lhe. Num primeiro momento, rendeu-se à sua combatente e preferiu não invadir seus domínios. Dizia ela: "Muito barulho, não tem como abaixar?". E eu dizia que não, com uma cara de quem jamais havia questionado aquela instituição. Lembrei-me das vezes em que o volume estava demasiado alto e nada falei. Ou que o ar-condicionado congelava-me por completo e eu não reclamei. Simples assim, bastava perguntar pra alguém: "Não tem como abaixar?"


Entrava, saía. Sentava, corria. Sua expressão não negava o encanto e o espanto de estar ali naquela sala escura. As expressões mais do que reais revelavam o mais puro dos papéis. Sua capacidade de perceber cada estímulo do ambiente transformou a minha relação com o cinema. Pouco importava a tela nos chamando. Pouco importava o conteúdo do filme.


E, numa sequência digna de Oscar, a pequenina criança ia vencendo o inimigo aparente. Um passo mais pra frente. Um olhar mais atento à tela. Algumas vezes, até sentava-se no mar de cadeiras, como se o oponente deixasse de oferecer riscos. Aí um estalo, estouro ou grito vindo lá da "televisão grande" assustavam Maria Clara e ela corria pra fora da sala. Corria e achava graça, dirigindo nossa tarde com sua batuta mágica.


Embalávamos o nosso enredo com tudo a que tínhamos direito. Pipoca, balinha e um refresco. O cinema estava ali, mas o papel principal era dela. Usava o pouco que lhe bastava para contar a quem perguntar que ela já foi ao cinema. Ela já foi ao cinema! E não importa quanto tempo ficou lá dentro. Importa saber que cara tem aquele gigante de que tanto se ouve falar. Agora ela sabe.


Quando sua mãe vem buscá-la, ela pergunta super carinhosa e animadamente como havia sido a experiência da filhota:
-Maria Clara, como foi a ida ao cinema?
E, com um gestual impressionante pra sua idade e com a propriedade de quem sabe muito bem sobre que está falando, ela responde:
-A sala é beeeem g(r)ande... Tem muuuuuuita cadei(r)a... - e, colocando as duas mãozinhas abertas nos ouvidos, continuou - E o som é muuuuuuuuuito alto!


Sim, ela sabe bem o que é o cinema. Já deu um passo rumo ao desconhecido. Voltou pra casa com seu próprio roteiro, ensaiado com bravura em uma tarde qualquer, num cinema qualquer. Muita poesia em sua vida ainda está por vir. Muitos filmes também virão. Para sempre ela será o motivo que me fez achar o hall do cinema mais interessante do que o filme na tela. E aplaudir emocionada e de pé o final feliz.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

1 acordo de damas e cavalheiros em 3 passos


Olhe nos meus olhos e diga que não quer mais olhá-los

Encoste seus lábio nos meus e diga que não quer mais beijar-me

Coloque sua mão sobre a minha e diga que acabou o passeio

Diga três vezes intensamente que acabou. Se você dormir em paz, eu entendo a minha guerra interior.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Hiperbólica notívaga divaga


Acordei no meio da noite. Tinha que escrever. Algo pulsava em mim e eu queria deixar sair. As mãos sobre o teclado revelam o desespero em apagar o branco da tela com as letras que a preenchem. O lápis e o papel, companheiros de todas as horas e palavras suplicam sua participação. Suplicam em vão. No meio da madrugada não cabem intermediários. Cabe apenas eu e a tela. Eu dizendo e ela ouvindo. E, neste momento, pouco importa o caminho das frases. Importa, sim, extravasar a conquista de mais uma conquista. Dividir com quem quer que seja essa sensação de me apoderar de mim mesma e governar tudo isso que sou eu.

O navio ganha um capitão e minha percepção ganha novos contornos. Vamos navegar na mesma corrente, com o timão apontado certeiramente pro rumo eleito em comum acordo por todas as partes de mim. São muitas mulheres berrando: siga em frente! E não sei quem fala mais alto.

Se é a menina moleca que adora dormir de pijama de flanela. Ou a garota irreverente que arrebanha risadas dos amigos. Pode ser que seja a mulher obstinada que vislumbra um caminho profissional. Ou até mesmo a moça frágil que às vezes fica calada e põe-se a chorar. Não estranharia se fosse a voluptuosa fêmea, que clama por uma paixão. Ou ainda a hedonista criança que não se cansa dos prazeres infinitos. Pode bem ser que o grito seja um eco da abafada voz da ingênua adolescente, que descobriu muitas coisas do mundo tardiamente. Ou seja apenas a reclamação aturdida do tão calado sussuro outrora esquecido. Podem ser pensamentos ultrapassados tentando ganhar o mundo. Pode ser um suspiro que virou soluço.

Mas não importa! Não importa quem fala mais alto. Existem milhares de mulheres dentro de uma só. E essas mulheres pedem passagem. Pedem espaço e marcham resolutas. "Siga em frente! Sempre em frente! "

Entendi que era hora de me livrar dos problemas e sonhar livremente. Olhar pra mim. Reconhecer-me em mim. Não negar nada daquilo que eu sou. Fitar o espelho. Vejo aonde está cada pinta, cada mancha, cada cicatriz. Mapeio-me por completo. Caminho por minha geografia. Subo os morros, caio nos buracos, pulo as depressões. Passeio pelo relevo que há em mim, que sou eu, que é meu corpo, minha alma. Aprendo a navegar por minhas costas, estas que mal enxergo. Viajo pela nuca e sinto que me pertence esse pedaço de mim pra que esqueço de olhar. Danço por entre as coxas, as pernas que me guiam. Dou um pulo dentro do meu umbigo e mergulho nas minhas entranhas, em tudo o que há de essencial em mim. Vou aprendendo o caminho da minha dor e do meu prazer. Preciso saber guiar-me por mim. Mapear o que há aqui, o que há em mim mesma que nem mesmo pra mim revelou existir.

Cuido desse oceano sem mar para deixar a água me lavar. O gosto do sal que me leve. O porto é uma conseqüência, viajar é ancorar.

Já disse que gosto de andar de pedalinho?

domingo, 25 de janeiro de 2009

Regra de três composta: eu, você, o outro.


Visão. Audição. Olfato. Tato. Paladar. 

São cinco os sentidos. São milhares as formas de perceber o mundo. As imagens, os sons, os cheiros, o toque, os gostos. Com essa combinação a partir de uma fórmula tão simples, podemos sentir o que paira ao nosso redor. Sentimos medo de escuro, frio na barriga, frio de rachar. Sentimos que vamos morrer de fome, morrer de sono, morrer de chorar. Sentimos muitas coisas. Sentimos muito.

As pessoas se aproximam de nós e sentimos vontade de dar um passo pra frente ou para trás. Às vezes sentimos vontade de correr pro abraço, às vezes vontade de correr em outra direção. Às vezes sentimos vontade de correr pro abraço e acabamos correndo em outra direção. É uma forma de economizar sentimentos como se fossem frutos de uma fonte esgotável.

Os sentimentos e as diferentes formas de sentir nunca se esgotam. Não foram feitos pra serem guardados. Não são e não devem ser seus. Sentimentos transformam-se, migram, mudam, ganham novos significados. Sentimentos específicos por pessoas específicas, podem até acabar, mas a capacidade em sentir será uma companheira constante em nossa caminhada pela vida. Pra quê economizar, então? Fale mais sobre o que sente. Demonstre mais o que sente. Experimente o sentir. Veja novos horizontes, escute novos sons, sinta novos aromas, toque de verdade, prove novos sabores.

Tudo o que nos rodeia são estímulos. A alguns destes estímulos, reagimos. A outros não. A capacidade em reagir nos é inerente. Trocar informações e estímulos com o meio e com as pessoas inseridas no meio é uma questão de opção e não exige grande habilidade. Utilizar nosso potencial sensorial, isso sim é uma grande habilidade e, como tal, não nasce com todos nem pra todos, mas está ao alcance dos que procuram. Sentir é saber sentir. É internalizar os estímulos e intencionar furacões internos ao simples soprar do vento.

No teatro da nossa existência, podemos escolher o papel principal de nossas vidas ou apenas uma ponta ali no canto, pra passar despercebido em nossos palcos pessoais, desprezando a importância de se entregar ao personagem por inteiro. Ser coadjuvantes de nosso próprio caminho significa ser um amontoado de cordas que trabalham para animar aquele ser que não consegue aquilo que há de mais elementar em si, simplesmente ser. Somos marionetes até que sintamos. 

Temos a nosso favor a beleza de soltar as cordas e atar os laços a cada sentimento que surge dentro de nós, a cada nova sensação que experimentamos, a cada olhar profundo que trocamos. Cada vez que nosso coração bate um pouco mais acelerado porque fomos fisgados por alguma sensação verdadeira, uma corda se solta e vai nos dando a condição de dançar conforme a nossa própria música e seguir com o nosso próprio passo.

O não sentir aprisiona-nos em nós mesmos e nos priva da chance de conhecer o bater de asas de uma borboleta dentro do (nosso) estômago. Negligenciar os estímulos que chegam até nós e duvidar do potencial de provocação das pequenas coisas a nos rodear mantém as cordas nos rumando e nos reduz a meros títeres. Mergulhar na vida e desfrutar do real viver a cada dia mantém acesa em nós a chama da auto-consciência, o fogo do momento presente, a força do amor-próprio.

Apaixonar-se pela sensação de viver apaixonadamente é nutrir a constante vontade de ser melhor no mundo e para o mundo. Significa alargar sorrisos e estreitar encontros. É trazer para perto de si gente que quer unir-se a nós numa profusão de elementos que passam a orbitar ao redor do todo como se fôssemos elos de uma mesma corrente. Porque não há intersecção maior do que a união profunda.

Sentir é viver. Sentir pouco? Sinto muito.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Das gavetas, nascem os ipês


Abrir gavetas é libertar a matéria estacionada de vidas que cabem em uma só. Significa dar ao pó a chance de sair ao invés de entrar. Abrir gavetas é a arte de saber aguardar quando a vida te oferece um trampolim para pular. Encher a mão de areia e sentir os grãos escorregarem. É assoprar o amendoim para todas as cascas voarem. 

Saber escolher, saber responder. Aprender a deixar pra trás. A despedir. A abraçar sem esperanças de reencontrar. É dizer adeus com o coração cheio de dor sem saber se há depois. Às vezes é melhor embarcar. Às vezes é melhor perder a hora. Às vezes é melhor ficar de longe e ver as partidas. Aprende-se muito quando faz sentido deixar ir. 

Aproximar-se de semelhantes. Somar idéias e ideais em prol de algo grande, que cresce junto. Dialogar em línguas que se entendem. Dizer meias-palavras e ganhar frases inteiras em troca. Unir o que se acredita com o que pode acontecer. Dizer não quando algo diz que é melhor assim, mas também saber dizer sim.

Um belo dia a gente sente que o mundo parou. Pararam os carros nas ruas. As pessoas pararam. Estão parados os olhares. Está tudo coberto por uma casca que inibe a livre expressão. Nesse momento, compreendemos que mexer os olhos faz os olhos do outro também mexerem. Se dançarmos, o outro dança. Se caminharmos, o outro caminha. E podemos dar o ritmo de nosso passo ao mundo. Ao nosso mundo.

Abrir gavetas muitas vezes abre portas. Traz pra vida a poesia em forma de mãos. Mãos que se atam num enredo em que faz todo sentido bater o carro porque a mente cansou de dirigir e foi ali admirar um ipê.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Despertar


De tanto tentar se encontrar, perdeu-se de si mesmo. Deixou a cargo de mãos que não as dele o controle de uma vida que já não mais lhe pertencia. O caminho já não era claro e o rumo a tomar, totalmente incerto. A mente absorta carregava-se de pensamentos e não mais enxergava luzes. Tudo escuro. A mão que não era dele tateava a cama procurando o que não conseguia achar. Acordou de uma realidade onírica em que nada se via além de neblina. Esfregou os olhos e caminhou trôpego até o espelho do banheiro. Na última vez que havia encarado a si mesmo ela não estava ali. A barba grande demonstrava o passar do tempo. O cheiro acre do ar denunciava a ausência de afeto. As janelas fechadas há dias ansiavam abrir-se à inundação do vento. A geladeira vazia, presenteava-lhe com uma garrafa de água pela metade.

Naquela hora, escolheu viver. Nem mais um suspiro.

Da barba não restou nem mais um fio. O ar exalava perfumes inspiradores. Brotavam, sobre a mesa, de dentro das garrafas, flores.

Do entorpecimento, restavam-lhe vazios. Não conseguia reconstruir o passado. Mas ocupou-se do presente esperando pelos louros do futuro.

Sentar de nada adiantava. Pôs-se de pé e mirou o horizonte. Os calos nos pés já não doíam mais. Caminhava rumo ao desconhecido sem medo de enfrentar o maior dos desafios. Corou ao ver pessoas a sorrir-lhe. Abriu o peito e marchou sem cessar. O vento no rosto alimentava seu íntimo amanhecer. Não sabia o que era dor. Não sabia o que era prazer. Mas sabia como poucos o que poucos sabem. Ele sabia querer.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Redação pro Vestibular


REDAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Redija uma dissertação, apresentando argumentos que se contraponham à seguinte concepção de tempo expressa pelo poeta clássico Ovídio: o tempo, esse devorador de coisas.

Na sala do colégio onde estudei há 10 anos a cabeça fervilhava. 30 questões de espanhol, 120 questões de humanas e 30 linhas depois...

"Ontem nós éramos o que tu és, amanhã será o que nós somos". A frase que habita o portal de um cemitério perdido no espaço físico é uma máxima sobre a inexorabilidade do agente temporal. Sim, o tempo passa. E, em sua rota de desvarios, deixa incólumes as marcas do progresso. O tempo não apaga os grandes feitos, os grandes ditos, os grandes amores, as grandes obras. É como a tempestade que alaga cidades, mas não varre a alma do lugar. O que é sólido fica.

Desde muito ontem, sabemos do legado que ficou daqueles que aqui estavam antes de nós. Os seres e as coisas que nos antecederam não o fizeram sem deixar rastros. E, numa intrincada colcha de retalhos, tecemos a história do mundo. À medida em que passam os anos, vão sendo tecidas novas peças, de modo a conceber um alento para a memória de cada época: uma fôrma para unir os mais diversos conjuntos de conquistas da sociedade e aquecer o patrimônio imaterial de toda gente. E residem nesse emaranhado de registros toda e qualquer memória daquilo que a humanidade - e por que não, a natureza? - construiu.

O que seria das cidades atuais se não houvesse começado entre os gregos e romanos o estudo da arte da construção e dos estilos arquitetônicos? E dos grandes artistas, sem o princípio da técnica, dos meios e da finalidade da expressão? E da consciência, sem os primórdios da Filosofia?

A sociedade atual colhe os frutos de uma plantação sem começo e cujo fim pouco importa. Importante é fazer parte do processo, colhendo o que já foi plantado sem nos esquecer de germinar novas sementes. Porque o tempo passa, mas a árvore e suas raízes ficam.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Para aqueles que procuram respostas em um blog


Oi! Você está procurando respostas em um blog? Neste blog especificamente, hum? São respostas de que tipo? Lamento informar, mas esta resposta está em falta. Aceita sugestões? Não, não trabalhamos com soluções, apenas sugestões. Resposta para os problemas também está em falta. Aceita uma sugestão? Ok, você não quer sugestões... Que tal levar então uma palavra? Ah, palavras podem ser de todo tipo, toda natureza. Tem palavras bonitas, feias, simples, complexas. Pra quê servem? Elas servem pra enfeitar a vida. Isto é, você escolhe o que fazer com elas. Normalmente, eu as uso pra enfeitar. Sim, você pode usar as palavras pra agredir. Mas leia a bula com cuidado: há contra-indicações neste caso. Bom, se você não quer levar uma palavra pronta, eu posso dar uma sugestão. Ah é, você não aceita sugestões. Posso, então, indicar? Hum, indicação você aceita. Eu indico a reciclagem. Não, não é pra você levar esta palavra. É pra você usar as letras que já tem em casa e criar a sua própria palavra. Pode ser muito mais divertido do que ter uma palavra pronta. E pra quê serve? Bom, você pode pedir pra alguém dar um significado. Se precisa ter um significado? Não é que precise, mas uma palavra sem significar deixa de dizer. Não, nem sempre tem que dizer. Se você permitisse ao menos uma sugestão... Posso dar então? Se você quer deixar de dizer, minha sugestão é o silêncio. Não sei se é a única forma. Sei que as palavras erradas nem sempre funcionam. Vai levar o silêncio então? Isso significa que aceitou minha sugestão. Uma sugestão e um silêncio. Faça bom proveito! Obrigada e volte sempre!


"Todas as palavras boas estão pálidas de exaustão. Flores, lua, olhos, lábios. Eu gostaria de escrever como se a literatura nunca tivesse existido. Eu não consigo; a ironia devora as palavras. É a maneira mais fácil de superar a dificuldade de se descrever as coisas".
Victor Shklovsky