domingo, 18 de abril de 2010

Paciência


Entre a lagarta e a borboleta, há a espera. Entre duas mãos, o calor. Entre dois instantes, o tempo.

Cada pessoa tem seu passo. E em cada caminhada, um caminho. O objetivo nem sempre é o mesmo, mas os passos que se cruzam jamais retomarão o caminhar da mesma forma.

Há o tempo para se olhar. E o tempo para olhar o outro. Há o olhar que não enxerga o tempo. E os olhos que vêem o tempo passar.

A metamorfose não acontece do dia para a noite. É de um grande sentimento de inconformismo, ao tentar sair do casulo, mexendo para um lado e para o outro, que a lagarta se torna uma borboleta.

Ficar dentro do casulo é só uma forma de se preparar para voar. O amor exige asas, as borboletas. Mas também requer o período de incubação, o casulo. A transformação interna é o que possibilita o vôo.

Quando as borboletas vão parar no estômago, a gente sabe que a metamorfose foi completa.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pelo alargamento do fim-de-semana!


Segunda-feira é sempre um dia estranho. Não menos do que o domingo, que é pintado com uma camada cinza muito própria dele. É uma cor que só se manifesta aos domingos. Assim como existe o brilho próprio da sexta-feira. É um brilho que só ela tem. É meio dourado, meio bronze. E reluz. Tem um tipo de pôr-do-sol que só existe na sexta. Parece muito com o de sábado, só que tem mais alegria, justamente porque é um prenúncio do sábado.

O domingo é aquele dia em que podemos curtir o não fazer nada, mas preferimos ficar incomodados com a proximidade da segunda. Mesmo que segunda seja a nossa folga, ou que estejamos de férias, ou que possamos acordar mais tarde. Deve ser herança dos tempos de colégio, em que amargávamos o domingo pensando na volta às aulas do dia seguinte. Aí estendemos essa sensação pra faculdade, pro estágio, pro trabalho. E a coitada da segunda-feira vira vítima do nosso pavor.

A segunda é o dia em que nosso relógio biológico reclama da hora de acordar. Nunca é tarde demais pra levantar na segunda-feira. Os olhos grudam, a cama chama, o dia fica looooooongo. A saudade do fim-de-semana nos faz blasfemar contra o dia que interrompeu a farra e essa angústia só acaba na terça-feira.

Quando chega a terça, já vai começando aquela sensação de que dali a três dias chega a sexta, mais uma vez. É uma sensação parecida com parar no sinal fechado: é super chato, parece que demora um século, mas dá um alívio ter a certeza de que o sinal vai abrir. E assim como o sinal sempre abre, a sexta-feira sempre chega.

Quando chega a quarta, logo no começo do dia a gente pensa: faltam três dias pro final de semana. Quando chega o fim do dia, a gente pensa: só faltam mais dois dias. A quarta tem esse poder de carregar em si começo e fim. Começa dividindo a semana ao meio e termina sendo quase quinta que é quase a sexta.

Aí chega a quinta-feira, como toda a pompa de quem abre passagem para a sexta-feira. Nesse dia, dá até pra dar uma esticadinha porque, afinal de contas, ficar cansado na sexta não tem problema, porque logo, logo chega o descanso. Quinta tem um pouco de fim-de-semana em sua essência.

Aí você dorme, ou não, na quinta, com a alegria de saber que vai acordar e já é sexta. Já percebe aquele brilho novo no ar. O dia começa e fica tudo diferente. As pessoas sorriem mais, o clima já é de festa. Mal chega o fim do expediente e o trânsito já tá caótico. Mas tudo dentro do espírito festivo de sexta. Dia em que o trabalho não rende e que o final-de-semana torna-se a cada minuto, mais real.

O sábado dispensa comentários. Fica entre a sexta e o domingo. Só traz coisa boa. Você dorme na sexta e acorda no sábado, sabendo que ainda sobra o domingo pra sofrer pela segunda. E o sábado tem essa vantagem de não ter se tornado o dia em que as pessoas sofrem pelo domingo. É, sábado é lindo!

E pro mundo ser mais feliz, eu sugiro que todas as segundas virem o domingo número dois. E a gente tem que prometer que não vai transformar a terça em algoz. E que vai parar de sofrer com a chegada da segunda. Aí a gente tem mais fim-de-semana e menos dia útil.

Melhor do que isso, só licença remunerada por tempo indeterminado. E vamo que vamo, minha gente. Porque a vida passa rápido e a gente tem que aproveitar. Faça chuva ou faça sol. Seja sábado ou segunda. E enquanto minha campanha não se torna real, a gente se diverte 24 horas por dia, 7 dias por semana.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Manhã de domingo


No guardanapo de papel, a letra em garranchos dizia o que não era preciso dizer. As palavras menos necessárias, tornam-se mágicas quando ditas por quem não precisa delas.

As bochechas vermelhas, envergonhadas, mal conseguiam enfrentar a presença mais do que notada. O olhar se desviava. E quanto menos se olhavam, mais pressa tinham de se encarar logo de uma vez.

Os rostos desencontravam-se na angústia de quem quer logo se encontrar. O peito acelerado buscava o compasso alheio para não bater sozinho.

Numa manhã de domingo é possível deixar o ar escapar, o corpo todo se encher e o coração sair pela boca?

Tomou uma água de côco. Correu. Para não se sentir só, cantou. Para não se sentir tão leve, tirou o tênis e pisou a grama.

Fugir é um tipo de solução.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Lua nova


Engulo a noite com ânsias de quem tem pressa. Cada zumbido é testemunha da minha fome despudorada. As mãos abertas tentam pegar o que não podem carregar. Tento aumentar o passo, dar pulos para chegar logo. Faço queda de braço com o vento e deixo os cabelos embaraçados.

Quero ir adiante, entrar no meio da partida. Quero ser a juíza e apitar logo fim do jogo.

Não prego os olhos. Não sei meu nome. Não consigo mais sonhar.

Sigo a linha. Pulo a cerca. Jogo uma pedra na janela.

Um bilhete. Um nome. Um sinal.

Se hoje fosse lua cheia, ela virava um ponto final.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Calendário


Segunda-feia
Terça-freia
Quarta-fria
Quinta-freira
Sexta-feira
Sábado de aleluia
Domingo de novo

domingo, 11 de abril de 2010

Essa boneca não tem manual


Escrevo para matar a vontade de não escrever. Cada vez que o lápis aponta o papel, fujo um pouco de mim para passear pela página em branco. Subo pelas paredes para lembrar que piso o chão. A maior loucura é tentar ser lúcida o tempo todo.

Sorrir para tudo e rir de tudo não é coisa de gente feliz. Um pouco de desespero é o tempero certo para a calmaria que segue a tempestade.

Só dá branco quando a gente precisa clarear as ideias. Aí é melhor afundar a cabeça no buraco negro e sumir.

Tem uma nuvem em cima de mim. É um balão aqui em cima da cabeça pra divulgar a minha tela mental. Um filme desses que ninguém entende, mas finge que entende para não se sentir menor. Depois da sessão, comentários que não fazem sentido. Melhor assistir Hollywood e entender o enredo. Meu filme é complicado demais. Pode mudar de sala, o ingresso vale pra mais de uma sessão.

Combinar a lingerie é um desejo íntimo. Saber como a noite começa é normal. Não saber como termina também.

Dançar é uma forma de voar. Dormir é uma forma de esquecer. Comer é uma forma de sentir prazer.

Pintar e boca é arte. Borrar o batom é arte moderna.

Arte mesmo é viver.

Quero ser o museu de mim mesma. Um epitáfio que diz o que penso. Não estanque. Não post mortem. Um epitáfio de vida, entende?

Acho que eu preciso de um manual.


sábado, 10 de abril de 2010

O calor da noite fria


Dormi sem escovar os dentes para não perder o gosto da noite. Trouxe para a cama o sabor do vinho que aquecia o corpo. As palavras cuidavam da alma. Não há chave-mestra melhor do que o verbo para abrir o coração. Portas escancaradas dão passagem a gestos amplos e transformam olhares.

O céu despejava asteróides para pedir desejos em troca. A lua minguava para sorrir. À noite, nem todos os gatos são pardos. Uns brilham mais que outros.

A história não se repete porque não tem o mesmo começo. Nem o mesmo fim. O princípio foi ontem, quando o hoje nem sonhava em existir.

De braços dados com as estrelas, subo uma escada imaginária para acender o sol. Esperar o dia novo é sempre uma forma de recomeçar.

domingo, 4 de abril de 2010

O Adeus


Enquanto caminhávamos rio abaixo, as quatro permanecíamos caladas. Virar-se de costa para a serra e despedir-se das águas que corriam deixava-nos todas sem palavras.

O caminhar esboçava o sentimento de quem vai, mas fica. Os passos descompassados mostravam a resistência em partir. A fila indiana era o abraço que não deveria ser interrompido. As pernas se alternavam com certa vontade de voltar para trás e sentarem-se cruzadas no chão de pedras esquentado pelo sol. O contato com a natureza, o sentimento de pertencer ao local, davam a dimensão do quanto se é pequeno ao pé de uma montanha. Mas também do quanto se pode ser grande perante a vida e as escolhas que fazemos.

O silêncio falava o que todas pensávamos. Aquele momento só existia ali, enquanto andávamos, pensativas. Em poucos minutos, nós nos dispersaríamos e nos restaria a lembrança das risadas, da água, do céu e da amizade sem fronteiras. Ao som do canto do rio, cantávamos em coro calado a felicidade de respirarmos o mesmo ar. O momento, um presente.

As águas que desciam a serra carregavam nossos medos. E nossos passos deixavam para trás a certeza de que aquele lugar será para sempre um ponto de força, um campo de sonhos. Os laços não descem pelo rio. Nem a alegria de saber que, como o rio jamas será o mesmo, nós jamais seremos as mesmas. O rio leva as dúvidas e traz a certeza de que sempre renovaremos nossos votos de vida. Pisando naquela rocha, ou lavando as pedras que carregamos em nossas mãos.

A água que leva a alma, lava um tanto do meu ser. A água que lava a alma, leva um tanto do meu ser.