terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Da arte de dizer adeus


Depois de um longo mês de amor, compreenderam que não celebravam a união, e sim, a despedida. No lugar das fotos, guardavam as lembranças. Os ingressos dos shows, museus, espetáculos iam juntos para a lixeira mais próxima. Não dividiram um prato sequer. Tampouco provaram da comida ou bebida do outro. Compartilhavam sua existência. Brincaram de possuir estrelas e olhar a lua. Não pensavam no futuro, mas passavam tardes a fio percebendo as marcas do passado. Nem um bilhete. Nada escrito. Sequer ousaram usar de flores (exceto pela margarida que ela roubou de um canteiro para ele no dia de seu aniversário). A margarida que marcava a página do livro dele. O livro que ele quis dar a ela, mas só conseguiu que aceitasse o marcador de papelão com um poema de Neruda. Aceitou também as mãos enlaçadas sobre as suas enquanto caminhavam. Sem hesitar, aceitou seu cheiro, seu gosto, seu corpo. Aceitou chamá-lo pelo apelido, em vez do nome composto. Do sobrenome, não quis nem ouvir falar. Ganhou dele um pacote de cerejas, que saboreou calada e sozinha. Quando estava frio, não queria o casaco dele emprestado, mas os abraços, estes recebia de bom grado. Dividiram o banco da roda-gigante e o prazer de comer algodão-doce (o dele, branco. O dela, cor-de-rosa). Dividiam as alegrias. As angústias iam pra uma caixinha dentro do banheiro que só se abria para escorrer em lágrimas durante um banho solitário. Falavam a mesma língua: gestos, expressões e sorrisos. O sotaque amarrado dele. A doce leveza de sua voz na tentativa dela em se fazer entender. Pouco diziam as palavras, mas os sorrisos falavam por si só. No metrô sentavam-se frente a frente e não conseguiam parar de se olhar. Era a forma mais legítima de carregar consigo um pouco mais do outro. Na cama, não conseguiam encarar-se. Acordavam e dormiam juntos. Dormiam abraçados toda a noite com medo de se largar. Ela gostava de dormir no escuro. Ele também. Mas passaram todas as noites com a luz do abajour ligada porque nenhum dos dois ousou perguntar ao outro se podia apagar. Ele sempre carregava a chave da porta para não perdê-la. Ela sempre tinha medo de perdê-lo. Ele usava um chapéu para segurar seus pensamentos. Ela tirava o chapéu dele enquanto se beijavam. Apostavam corrida sempre que passavam pela alameda. Ela ganhava todas as vezes. Ele ficava pra trás de propósito sem que ela percebesse. Ela se sentia mais forte assim. Davam e recebiam aquilo que era sua moeda mais preciosa: o seu tempo, suas almas.

Na hora do adeus, dividiram as lágrimas. Compreenderam que cada um tinha uma vida por viver, um caminho a seguir. Mas sabiam que seu destino era encontrarem-se sempre que quisessem ser um pouco mais felizes.